Aldeias desavindas

Outro episódio que a minha memória ainda não desvaneceu, é o seguinte: Segundo consta, devido a um namoro mal sucedido, os rapazes de uma freguesia contígua, receavam vir aos bailes de Vilgateira, pelo que deixaram de os frequentar até que um dia e por que o período já ia longo, um grupo resolveu pôr cobro à situação e acompanhados dos seus varapaus, apresentaram-se no baile onde dançaram até altas horas, como era hábito, decorrendo tudo dentro da normalidade.

Quando o baile estava prestes a terminar, os rapazes da aldeia que entretanto se tinham organizado, desapareceram como por encanto.

O grupo “invasor” ao regressar à sua aldeia foi surpreendido pelos “ofendidos”, tendo-se desenrolado grande contenda, com enorme alarido e as consequências esperadas.

Consta-me que se as relações eram más, ficaram muito piores e durante muitos anos não houve casamentos entre habitantes das duas aldeias.

Na minha juventude e em férias, desloquei-me algumas vezes a tal aldeia, a pé, com um ou dois amigos e se não sentíamos hostilidade, havia pelo menos desconfiança.

Anos depois, tudo estava diferente e hoje, poucos se lembrarão destes desaguisados.

-José Varzeano

PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 9 DE FEVEREIRO DE 2001

A sangue frio

Numa ocasião, por volta de 1926, um dos homens mais temidos pelo manejo do PAU, foi rodeado por opositores que só assim o conseguiram vencer e mesmo nessa situação, não era fácil. O médico encontrava-se em Lisboa onde se tinha deslocado acompanhando um doente, naquele tempo era assim. Chegado o sinistrado, de cabeça aberta e informado da ausência do clínico, não arredou pé solicitando à filha do médico que normalmente o auxiliava nestas situações, que pusesse mãos à obra. Meia hesitante, acaba por aceder e inicia o trabalho dentro das suas limitações.

O valente varzeense, mordendo num lenço para aguentar a dor, e dando coragem à pseudo-enfermeira, ia dizendo:- cosa, cosa … e os pontos lá iam saindo ! Entretanto, teve de largar o doente para acudir ao namorado que tinha desmaiado ao assistir àquele trabalho!

Florindo da Costa Paulo, o varzeense de que estamos falando e que conheci relativamente bem, era um homem de rija têmpera. De figura meã, mas bem entroncado, as suas mãos calejadas, funcionavam como tenazes. Tez queimada pelo sol, na face arredondada saltavam grandes e vivos olhos e chamavam a atenção, a forte barba, em forma de matacões.

Vestindo à homem do “Bairro”, nunca dispensou o varapau, que o acompanhava para todo o lado, mesmo no ocaso da vida.

-José Varzeano

PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 9 DE FEVEREIRO DE 2001