Degredado por crime de varapau torna-se grande em Angola.

João Ferreira, um dos “donos” da terra, cuja fama corria por todas as estradas e picadas de toda a Angola, de “Cabinda ao Cunene”.

Na fotografia pode vêr-se o edifício da Firma “Ferreira & Martins”, que era uma das muitas empresas que o dito senhor detinha na Província. Também o local onde se encontra estacionada a viatura, com os homens da Força Aérea a darem dois dedos de conversa a um residente, era um hotel, o “Avenida”, pertencente ao mesmo empresário, como, de resto, a maioria do comércio e indústrias existentes no Negage. Mas também noutras localidades… e até em Luanda…

* Perguntará quem me lê: – “Qual o interesse do nome deste homem? Porque se fala tanto dele?”. E não deixarei de matar tal curiosidade, contando um pouco daquilo que ele mesmo me relatou, em conversa que tive o prazer de ter com ele, no âmbito de uma entrevista que me concedeu para o Rádio Clube do Uíge, de que fui correspondente durante alguns meses e realizei o programa semanal “Aqui Negage”, que estava no ar todos os Domingos, no período da manhã.

* Contava ele: – “ Vim para Angola a bordo do navio “Serpa Pinto”, por volta de 1954 ou 55. Fui um dos milhares de indivíduos condenados a degredo e enviados para África, mercê de uma sentença do Tribunal da Comarca de Vila Real de Trás-os-Montes, por ter morto um homem numa rixa acontecida nas Festas da Cidade. Fui com a minha noiva até ao Campo da Forca para comprar algumas peças de enxoval, pois estava a pensar casar por aqueles dias e fomos procurar o que faltava. Combinei com a minha prometida qual o local onde iria ser o nosso encontro, assim que estivessem concluídas as compras, decidindo-se que quem primeiro chegasse esperaria pelo outro. Calhou ser ela a primeira. Quando ia a chegar, reparei que ela estava de conversa bastante animada com um magala do Regimento lá da terra, e pareceu-me que havia alguma cumplicidade entre eles. Quando cheguei perguntei a minha cachopa se queria que eu voltasse mais tarde, e ele, o magala, disse logo que era o melhor, pois estava a meter-me na conversa e ele ainda tinha muito para falar com a Idalina e não gostava de ser interrompido.

* Acto contínuo… volteei o varapau que trazia comigo e dei-lhe com ele em cheio na cabeça, pelo que o militar caíu redondo no chão. Veio a Polícia e a minha prometida tratou logo de lhes dizer que eu tinha morto o rapaz por ciúmes e aquelas coisas todas que só as mulheres do calibre daquela poderia dizer, para me enterrar. Como o sacaninha morreu mesmo… fui julgado e condenado ao degredo por 20 anos. Foram cerca de 200 os condenados chegados comigo a Luanda, onde me leram os meus direitos como degredado: – Durante os próximos vinte anos não poderia ser visto em Luanda. Podia ir para osde bem entendesse, mas de Luanda para baixo não! Meteram-me e aos outros em camions, como se de gado se tratasse, e levaram-nos até uma povoação chamada Viana. Aí mandaram saír tudo da camioneta e partir para o Norte. “Para onde quizerem ir ”- disseram-nos.

* Dois dos companheiros de infortúnio eram os meus sócios, Manuel Agre e o António Martins. Durante o cativeiro em Lisboa, a aguardar embarque, e na viagem até Luanda, fomentámos uma boa amizade, que nos levou a fazer um pacto: – Nenhum de nós se separaria, fosse em que circunstâncias fosse, e iría-mos fazer tudo o que pudéssemos para tornar a nossa desdita numa coisa boa. Tudo o que pudesse dar dinheiro nos iria unir cada vez mais. Era este o nosso pacto!

* Para não nos perder-mos, arranjámos uns pedaços de madeira, de que fizemos estacas onde foram pintadas, pelo Manuel Agre, as minhas iniciais, as dele e do Martins. Espetámos cada um a sua e fomos arranjando outras, que fomos deixando pelo caminho. Estranhamente, os outros desterrados não se lembraram de fazer o mesmo, mas naquele momento nem eu sabia o que aquilo poderia dar. Fomos caminhando dias sem fim, apanhámos temporais, sol, mosquitos, vimos alguns animais que levaram a que tratássemos de encontrar alguma coisa que nos pudesse dar alguma segurança. Vi os primeiros elefantes e hienas da minha vida, ouvi o rugir de leões, de leopardos… senti algum temor, é certo, mas não mudei de direcção, como outros foram fazendo, acabando por ficar apenas um grupo de cerca de 20 de nós, com dois meses de aventura pelas selvas desconhecidas! Mais algum tempo e chegámos a um aldeamento, onde decidimos parar, pois bastava de caminhar! Do grupo saído de Viana… chegámos 9 ao Negage, onde fomos recebidos pelo velho Ginja, que havia sido o primeiro branco a chegar àquelas paragens!“.

– Victor Elias