Romarias em tempo de guerra.

romariasScroll down for English translation: Wartime Festivals

Verificou-se que a concorrência este ano ás romarias do Senhor da Serra e da Senhora da Atalaia, as duas festas populares mais animadas dos arredores de Lisboa, foi muito inferior á dos últimos anos. Influencia da guerra? Decerto, pelo menos como factor principal. Aos políticos que se queixavam -estranha queixa! – de que não sentíamos a guerra, de que parecia que não tínhamos a consc1enc1a de tomar parte directa no conflito, responde-se agora com este afastamento das poucas diversões que eram concebidas ao povo português. Ele sente, enfim, a guerra.

Em todo o caso a romaria, mesmo despida da poesia de que os sentimentalistas a revestem, tinha grandeza; para ela se desafiavam os rapazes que haviam tido desavenças pelo ano adiante e ai é que as contas se saldavam, à paulada. Moços fortes partiam cabeças rijamente, em duelo franco, por sua dama, que premiava o vencedor com o melhor sorriso, antecedendo prenda de mais valia.

Sabemos de uma aldeia da nossa terra onde as raparigas não casam com quem não tenha tido pelo menos uma rixa, deixando o adversário bem amassado. E então os rapazes de ali andam sempre ansiosos pela romaria, onde as costelas se amassam… Vão-se estas tradições de brutalidade, mas que não deixaram de ter a sua nobreza.

“ilustração Portuguesa” Nº602 – 3 de Setembro de 1917

Wartime festivals

There was a small afflux at the two most popular festivals near Lisbon, Senhor da Serra and Nossa Senhora da Atalaia had much less people that in the last years, influence of the war? For sure, as a main factor. For the politicians that complained – and what a weird complain – that we didn’t feel the war, and didn’t have conscience that we were taking part of the conflict, the answer is now this absence from the very few occasions the Portuguese people have for themselves to enjoy. The people finally feel the war.

Even so, the festival had a grandness in itself, in it the boys challenged each other solving the rivalries accumulated along the year, and the the problems were settled, with staff fights. Young and strong boys breaking each other’s heads fiercely, in a franc duel, because of a lady, that would reward the winner with her best smile, anticipating a most valuable gift.

We know of a village where the girls don’t marry a man that had not made it into at least a brawl, leaving his opponent smashed. So the boys of the region are always anxious for the festivals, where ribs get broken… This brutalities are going away now, but they still have their nobility.
in “ilustração Portuguesa” Nº602 – 3 de Setembro de 1917

Festas da Nazaré – de cabeça aberta.

feira

Festas da Nazaré – A entrada dos círios
“Cifra-se em dois elementos a síntese de todos os círios: uma grande turba de anjinhos e uma grande cópia de cacetes ferrados.
Bom é quando os primeiros nos deixam ver o céu aberto sem que os últimos nos deixem a cabeça também aberta.“
“O António Maria” N.º 277 [18 Setembro 1884]

EN: An illustration and note on a Humoristic journal from 1884, quick translation:
“There are two elements in this religious procession: a great crowd of Angels, and the copious amount of walking staffs with ferrules.
It is a good thing, when the Angels allows us to see the open sky, without the staffs leaving us with an open head.”

Link: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/OAntonioMaria/1884/1884_item1/P266.html

…caminhos, festas, feiras e romarias distingue-se e prima pela arte no jogo do pau útil à sua defesa, do inimigo imprevisto. Todo o Barrosão sabia jogar uma ponta de pau. Antes das armas brancas usou-se o pau, que a G.N.R. partia e tirava nas festas e feiras da vila de colmo que era Montalegre.

 “Crenças e tradições de Barroso” António Lourenço Fontes -1992

Romaria em Santa Marta, Penafiel.

Uima vez na estrada e em regresso para Penafiel encontramos no caminho a freguesia de SANTA MARTA, onde no dia 29 de julho se faz uma concorrida romaria, a que por ser muito perto da cidade vai de obrigação todo o bom penafidelense. Na véspera há quase sempre, de dia, uma insignificante feira de cavalos, e á noite um vistoso fogo de artificio amenizado nos intervalos pelas harmonias da musica de Vila Boa ou de outra qualquer, quando não é de duas filarmónicas, que á compita rivalizam primeiro do alto dos coretos, e depois acabam por se desfazerem mutuamente os instrumentos nos respectivos costados músicos. No dia, á tarde, sai uma procissão com os altos andores engalanados, e o arraial, sob a formosa devesa dos carvalhos, adquire com o vinho e com a alegria expansiva deste bom povo o seu maximum de intensidade. Há uma vez ou outra corrida de bois mansos por homens bravos, quando não são os homens que entre si manejam o varapau clássico e o marmeleiro tira-duvidas, a fim de resolverem uma questão de ciúmes ou de primazia nos descantes.

“O Minho Pittoresco” – José Augusto Vieira – 1887
p. 539

Romarias e Festas

O sino repica alegremente, a musica vibra triunfante, os morteiros fazem estremecer os alpendres! E a procissão que vai dar volta ao cruzeiro, mas que dificilmente poderia romper o enorme agrupamento humano, se o Zé Pereira, um danado para estas coisas, não abrisse caminho com as suas evoluções fantásticas! Ai vem um andor, bravo! nem o pinheiro mais alto, e todo engalanado a plumas, a galão de ouro, a pequeninos espelhos refulgentes! Que riqueza de ouro levam os anjinhos! O pallio, o pallio! Vão os mesarios ás varas; a custodia, nas mãos tremulas do abade, cintila fulgurações radiantes. De joelhos, de joelhos! Que sol de rachar! Vá mais uma melancia ali á sombra de uma carvalha; venha de lá essa borracha para que não vá pesar pelo caminho! Confusão, tumulto lá para um canto, varapaus no ar! Ajuste de contas entre ciumentos, vinho, vinho é que é! Alas a coisa é seria! A bordoada ferve, os ânimos exaltam-se, o rapazio foge, as mulheres gritam! … Santo Deus, que vai ai o dia de juízo! Boa romaria faz, quem na sua casa está em paz! Olha agora por causa de uma mulher, como se não houvesse muitas neste mundo !

A romaria desfaz-se, o formigueiro humano retira amolentado e exausto. E também o sinal que o sol espera para mergulhar no poente por entre um esbrazeado de nuvens, e o que a lua espreita para se erguer afogueada no fundo pérola do céu.

“O Minho Pittoresco” – José Augusto Vieira – 1887

Feira dos 26

Conta-se  a história de um jogador de grande talento do Porto, chamado Carvalho, feirante de gado, que na Feira dos 26 em Angeja, perto de Aveiro, conseguiu aguentar-se sozinho contra um grupo que o atacava, até que tropeçou e caiu para o chão, e nessa altura o melhor jogador dos adversários saltou para o seu lado, pronto a defendê-lo, dizendo aos seus companheiros que quem pretendesse bater no valente caído tinha que lutar primeiro consigo.

“Ilustração Portuguesa” – 19 de Setembro de 1904. Nº46, Pg 732
“A feira e festas na Moita”
“Os Cabos de segurança”

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Cabos de segurança de varapau em cena do século XIX 

“NARCISO E 4 CABOS DE SEGURANÇA DE VARAPAU ”

(…)

‘Stão promptos ás minhas ordens
Os cabos de segurança,
E nós temos aqui dança
Se descubro o tal marau!…
Se eu pilhar o meliante
Ficará bem derreado,
Sentindo sobre o costado
Muito, muito varapau!

“Um bigo em verso” – José Ignácio de Araújo (1860)

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Em Portugal, um cabo de polícia era um cidadão designado para auxiliar um regedor de freguesia na sua função de agente local de autoridade policial. Os cabos de polícia eram escolhidos de entre os cidadãos da respetiva freguesia, estando inicialmente prevista a designação de um por cada oito fogos familiares. Não eram regularmente remunerados pelo exercício das suas funções, só recebendo percentagens de algumas multas cobradas.

Durante o período da Monarquia Constitucional, os cabos de polícia constituiram praticamente a única força policial na maioria do território português, uma vez que, inicialmente, só Lisboa e Porto dispunham de corpos policiais profissionais (as guardas municipais).
A partir de 1867, com a criação dos corpos de Polícia Civil nas capitais de distrito, os cabos de polícia perderam substancialmente a importância no policiamento dos grandes centros urbanos. Continuaram contudo a ser a principal força policial presente nas regiões rurais.

Na sequência da implantação da república em 1910, o novo regime criou a Guarda Nacional Republicana (GNR) com o objetivo de assegurar o policiamento de todo o território nacional. Com a implantação progressiva da GNR nas áreas rurais, os cabos de polícia perderam definitivamente a sua importância, apesar de terem continuado a existir formalmente até 1974.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Cabo_de_pol%C3%ADcia 

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Tem se dito e repizado muitas vezes que este ou aquelle deputado foi levado ao parlamento nos escudos dos cabos de policia. Para que esta phrase não venha a induzir em erro a posteridade sôbre o armamento actual dos cabos de policia é bom fazer lhe já d’aqui saber que as armas destes varões assignalados são na occidental praia lusitana o chinfalho de dois palmos e meio e no interior do paiz o varapau ferrado. Tiveram por excepção no Porto durante o governo da Junta armamento completo á caçadora e não me lembra já quantos machados por companhia destinados a servir no caso da cidade se ver forçada a seguir na sua defeza o exemplo de Saragoça. Só me consta que funccionassem uma vez Foi no dia 30 de junho de 1847.

“Roberto” –  Manuel Roussado (barão de Roussado) (1867)

A romaria á Ermida de S. Silvestre

A romaria á Ermida de S. Silvestre perde-se no tempo, mas o fervor da devoção ao Santo avivou-se depois da reconstrução da capela. Para comemorar tal feito, foi celebrada uma grande missa pelos párocos das duas freguesias – Póvoa e Montalvão – com procissão ao longo de toda a azinhaga (desde a estrada até á capela) e comprado um Santo novo, desta feita de barro, vestido de branco já que S. Silvestre fora Papa.

Entre a Póvoa e Montalvão sempre houve muitas rixas, mas esta questão do S. Silvestre veio ainda reforçar o “ódio de estimação”entre as duas freguesias. Diz-se que as gentes de Montalvão tinham tanta”raiva”ás da Póvoa, por terem sido estes a reconstruir a capela e a comprar um Santo novo, que até insistiram em ter o antigo (de madeira) na sacristia para lhe fazerem as oferendas. Lá diziam eles que “Santos de barro não fazem milagres”. Por causa destas e outras desavenças entre os dois Povos, é aqui nesta romaria, que começam as famosas brigas de pau e pedra em que as azinheiras, na azinhaga que liga a Capela á estrada, ficavam completamente desfolhadas.

Por a Póvoa ser famosa em ter as mais belas raparigas dos arredores, era esta romaria muito visitada. Vestidas com os seus” fatos de Carnaval”, saia encarnada bordada, xailes lindíssimos nas costas e com todo o ouro ao peito eram mais um motivo de desavença entre os rapazes, que ponham todo o fervor numa desgarrada bem cantada e improvisada mas acabando sempre em insultos entre eles e claro numas boas pauladas e pedradas.

-Adaptado do texto de Elisabeth Arez inserido no programa do III Festival de Folclore em 20 Agosto 1994