Hier ruht ein tapferer portugiese

O reconhecimento da bravura lusa pelo adversário, também se encontra nos relatos alemães desta batalha. Em muitas trincheiras, só se havia distribuído seis balas a cada soldado português (casos houve em que apenas receberam três)! Tal não significava a desistência da luta. Muitos portugueses pegaram nas suas espingardas e usaram-nas como no jogo do pau. Este pormenor, mencionado num relatório alemão, foi reconfirmado pelos guardas do Museu Militar, (…)

Até ás décadas de 50 e 60 do século passado, recrutavam-se os guardas do Museu Militar de Lisboa, entre os veteranos da Grande Guerra. Muitos gostavam de mostrar a peça mais emocionante na sala da “sua” guerra: uma cruz simples, em madeira, retirada de uma das trincheiras da batalha de La Lys. Era a cruz de uma campa de um soldado de nome desconhecido. Mostra a inscrição em alemão: “Hier ruht ein tapferer Portugiese” (AQUI JAZ UM VALENTE PORTUGUÊS).

Por Rainer Daehnhardt, texto completo em: http://www.grifo.com.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=228

Soldados portugueses executam demonstração do Jogo do pau
Roffey Camp, Horsham, Sussex, Inglaterra,
15 de Agosto de 1918
Fonte: http://www.iwm.org.uk

Em tempos um professor de sociologia, ao tentar explicar que certas ideias feitas resultam de enganos, repetições e desconhecimento, e não propriamente duma tradução da realidade no senso comum, deu o exemplo da China e da proverbial “paciência de chinês”. Ele, que conhecia bem o país, e que o visitara ainda antes de ele se ter tornado a fábrica do mundo, dizia que encontrar um chinês paciente não era tarefa fácil, mesmo em tempos bem mais controlados, anteriores a Deng Xiaoping. A cultura chinesa não é uma cultura de silêncio, de calma e de rituais longos e silenciosos. As cidades chinesas eram locais bulíciosos, barulhentos, dizia ele, onde à mínima coisa havia logo uma grande possibilidade de desatar tudo à estalada, ao murro e ao grito.
A ideia do chinês introspectivo, meditativo, dotado duma sabedoria milenar eram uma concepção criada no ocidente, baseada não numa experiência real e pessoal (bastava ler a “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto, um dos primeiros relatos na primeira pessoa de um ocidental no Império do Meio) mas antes numa mistura de informações, oriundas quer de outros países asiáticos ( do Japão, nomeadamente), quer de contactos com aspectos particulares da cultura chinesa, como o mundo burocrático imperial, a filosofia taoista e a religião budista. Tudo isto, bem amalgamado e repetido vezes sem conta junto dum mundo ocidental que nunca vira a China, e para quem tudo se confundia no Oriente, permitira a convicção profunda ( e falsa) que os chineses são, de uma maneira geral, calados, pacientes e superiormente organizados.

Essa aula, que bem me divertiu, vem-me com frequência à memória sempre que esbarro com o lugar-comum de Portugal como país de brandos costumes, o do português como povo sereno.
Se nos dias que correm a coisa (momentaneamente, talvez) até parece ser assim, afirmar tal historicamente é algo que não aguenta a confrontação com a realidade.
Um dos aspectos em que o Estado Novo foi mais bem sucedido foi no profundo apaziguamento do país, e na efectiva implementação do monopólio da força por parte do Estado. Para tal, criou um aparelho repressivo assente nas forças policiais que, ao longo do tempo, conseguiu fazer chegar a todos os recantos do território, e fez silenciar através da censura os relatos de alterações de ordem pública. Esta percepção de que nada acontecia, associada à certeza de um uso indiscriminado da força policial em caso de conflito, e a um sistema judicial que, em caso algum, questionaria as forças policiais, resultaram no referido apaziguamento.

Mas extrapolar esse facto para tempos anteriores é algo muito errado.  Antes do sucesso do Estado Novo, os brandos costumes e o povo sereno só podem ser retóricos. Portugal era um país em alvoroço constante. Entre guerras civis, um regicídio, vários assassinatos políticos, duelos de deputados, revoltas, guerrilhas e salteadores, muito pode ser dito sobre os dois últimos séculos, para não ir mais longe.

Quando, no meio da conturbada primeira república, se decidiu enviar um Corpo expedicionário para as trincheiras da primeira guerra mundial, as tropas apressadamente reunidas, e instruídas no Ribatejo, foram depois sujeitas,em Inglaterra e em França sobretudo, a novo processo de instrução militar para as habilitar para a realidade dos combates nas trincheiras.
Aí, alguns relatos indicam que os soldados portugueses espantaram os seus instrutores britânicos pela relativa facilidade com se adaptavam às técnicas de luta com baioneta, ao combate próximo nas trincheiras. De pequena estatura na sua maioria, vinham de realidades pré-industriais, onde andar à luta era quase um desporto entre aldeias. No Norte de Portugal, em particular, praticava-se uma forma de arte marcial, o chamado jogo do pau, cujas demonstrações em terras de França e Inglaterra provocaram a curiosidade dos oficiais aliados, que as filmaram e fotografaram.

Portugal, antes do Estado Novo, não era bem um local de brandos costumes. Era simplesmente um país habituado a andar à paulada.

Júlio Assis Ribeiro  em: http://naomemexamnosjpegs.blogspot.pt/2013/07/a-paulada.html

Ver também:  https://www.youtube.com/watch?v=g_Xyx4iG_kc