A Terra de Leovigildo

No final do século XIX, princípios do século XX, era habitual o jogo do pau. No Campo do Sobreiro (antigo recinto de jogos, situado em terreno junto ao Apeadeiro), repleto de público, chegou a realizar-se em julho de 1934 um grande duelo entre António Quintela, de Nevogilde e João Quinteiro, campeão do Norte (FERNANDES, 2015:14)

A Terra de Leovigildo

José Maria da Rocha, antigo mestre de Terras de Bouro

O concelho de Terras de Bouro, situado em pleno coração do Parque Nacional da Peneda-Gerês e percorrido pelas bacias do Cávado e Homem, é riquíssimo em história, tradições e paisagens deslumbrantes.

José Maria da Rocha, mais conhecido pelo senhor Rocha foi um exímio jogador do pau. Este terrabourense nasceu em 19 de Março de 1929 no lugar do Assento na Freguesia de Cibões. Com apenas 9 anos de idade foi servir como moço de lavoura para a freguesia de Santa Isabel do Monte onde lhe pagavam um salário anual de 300$00. Com 13 anos vai trabalhar para a casa do Feixa, em Vilarinho da Furna, e vê o seu salário anual aumentado para o dobro. Em Vilarinho, as suas principais tarefas eram regar os campos de milho e guardar as cabras na serra. Aos 14 anos decidiu encontrar melhor sorte em Lisboa. Na capital, começou como ajudante de cozinha numa pastelaria de fabrico para revenda. Mais tarde foi trabalhar para a pastelaria Áurea, na rua do Ouro, e a seguir trabalhou na pastelaria Marques na Avenida Almeida Garrett. Foi com colegas seus da cozinha que aprendeu a assinar o seu nome porque na sua infância não havia escola.

Inicia a sua actividade de cozinheiro propriamente dita no Hotel Florida onde permanece até a ida para a tropa. Cumpre o serviço militar na Base Aérea nº1 de Sintra e volta ao Hotel Florida. Volvidos três anos, muda para o Hotel Espadarte em Sesimbra e mais tarde para o Hotel Turismo da Ericeira. Esta itinerância nunca se deveu ao facto de não gostar de trabalhar nestes locais ou de ser preguiçoso, mas à procura de melhor salário. Foi somente em 1951 que obteve os seus primeiros oito dias de férias. O senhor Rocha trabalhou como cozinheiro ainda noutros locais e chegou a viver a aventura da emigração em França durante cerca de sete anos.

Hoje, na reforma ajuda e apoia a sua esposa que devido a um glaucoma praticamente se encontra cega.

O senhor Rocha confidenciou à reportagem do “Geresão” que a reforma de França, com descontos apenas de sete anos, é bem maior do que a reforma portuguesa. “Após 38 anos de trabalho na indústria hoteleira, a pensão de França é mais do dobro que a pensão da hotelaria”.

Afirma com tristeza que “a freguesia de Cibões está envelhecida, as casas dos lavradores estão vazias, as alfaias agrícolas estão paradas e os campos ao abandono. Dantes era gente por todo o lado, agora é uma miséria.” No entanto, considera que há actualmente aspectos positivos “porque temos luz, telefone e estradas.” Insiste em comparar o passado com o presente: “Dantes era tudo cheio de gente. Agora, toda a gente foge. A lavoura não dá quase nada. Uma profissão que vai dando ainda é a de cozinheiro, mas tem que se fugir daqui.”

Foi em Santo António de Missões da Serra que o senhor Rocha aprendeu a jogar o pau com José Pelote e também com o João Quinteiro de Bergaço. Queixa-se da falta de reconhecimento. “Nunca foi feita uma homenagem a qualquer um dos jogadores de pau do nosso concelho e nunca nos deram a conhecer. O João Quinteiro foi para mim o maior jogador do nosso País.”

joserocha

Em Lisboa, na década de 50 o senhor Rocha inscreveu-se no Ateneu Comercial tendo recebido aulas do mestre Domingos Miguel e do contramestre António Antunes Caçador. Frequentou esta escola durante 30 anos. Fez demonstrações no Estádio da Luz, nas festas de Vila Franca de Xira no Pavilhão dos Desportos, e em muitos outros locais.

Actualmente ainda recebe inúmeros convites para fazer demonstrações, mas as pernas já não o ajudam.

O senhor Rocha fez questão de mostrar à reportagem do “Geresão” a sua infindável colecção de varas. São às dezenas. Há varas para todos os gostos. Umas são de lodo, outras de junco e outras de marmeleiro. Parte delas foram feitas pelas suas mãos. “A protecção de metal que as varas têm nos extremos são para não esgaçarem”, explicou o senhor Rocha.

No que concerne ao jogo do pau esclarece que “isto não é um jogo de pau, mas esgrima do pau nacional que já vem do tempo do rei D. Carlos (finais do século XIX e princípios do século XX).”

Foi há 26 anos atrás que criou, na vila de Terras de Bouro, a convite do Presidente da Câmara Municipal, José Araújo, a escola do jogo do pau que veio a funcionar regularmente durante oito anos. Esta escola terminou, apesar do número sempre elevado de alunos, devido ao problema de artroses que começaram a limitar a sua mobilidade. “Porque as voltas que o pau dá por cima no ar, as pernas têm que dar as mesmas voltas por baixo.” As pernas mataram-lhe outra das suas grandes paixões: a caça porque não lhe permitem longas caminhadas pelos montes de Cibões.

“Foram oito anos de professor”, recorda com saudade. Mobilizou muitos jovens terrabourenses para a prática do jogo do pau. No nosso concelho e noutros locais, o senhor Rocha e os seus pupilos fizeram inúmeras exibições. Recorda-se com carinho de todos os seus alunos e destaca o Luís da Souta e o Álvaro do Pereirinha que eram jovens muito empenhados e assíduos.

Jogou o pau com indivíduos de Espinho, Melgaço, Sesimbra e de outras localidades do nosso País e foram muitos os episódios caricatos. Uma vez jogou o pau com um indivíduo chamado Adelino Barroso na vila de Terras de Bouro. Foi num dia de feira, na “Leira do Sousa”, por debaixo do Escola Padre Martins Capela depois desse indivíduo o ter desafiado. O Adelino Barroso atirou-se muito impetuoso e o senhor Rocha foi desviando o seu corpo das varadas. Deixou-o entusiasmar-se e o resultado “foi ter rachado a cabeça ao Adelino Barroso com uma boa varada”.

Uma outra vez estava a jogar o pau com um indivíduo que lhe atirou uma varada, conseguiu desviar-se, mas o outro jogador cortou-lhe o cinto com a pancada.

Muitas vezes chegou a estar cercado por quatro ou cinco homens, mas defendeu-se sempre “porque as pernas ajudavam”.

O senhor Rocha aconselha a nossa juventude a valorizar o que é tradicional e aprender o jogo do pau. “O jogo do pau faz parte da nossa tradição e pode ser usado em legítima defesa. Mas, hoje, não há quem queira aprender a tocar cavaquinho, por exemplo, ou aprender outra coisa qualquer. O que é tradicional, infelizmente, vai morrendo aos poucos.”
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Publicado no jornal o “Geresão” em 20 de Janeiro de 2006.

Alguns apontamentos da História do jogo do pau no Porto

Num livro da década de 40 “Arnaldo Leite, querendo criticar os conterrâneos do seu tempo por se considerarem desportistas quando só cuidavam de assistir aos jogos do seu clube e a discutir futebol, afirmava que(…) já no Porto de 1900 se verificava a prática da natação, da esgrima, da ginástica, do jogo do pau, do remo, do ciclismo, etc.” *1

Praticantes conhecidos temos João Quinteiro – Fundador do Centro do Jogo do Pau do Norte, considerado por alguns, o maior jogador do nosso País da sua altura.

“Na cidade do Porto, onde o «mestre» João Quinteiro fundou o «Centro do Jogo do Pau do Norte» e formou um grupo de jogadores com quem seguidamente percorreu as províncias do Minho e Douro, disputando assaltos de competição.” *2

“Nunca foi feita uma homenagem a qualquer um dos jogadores de pau do nosso concelho e nunca nos deram a conhecer. O João Quinteiro foi para mim o maior jogador do nosso País.” *3

O Carvalho, que pela sua bravura, inspirou honra no coração dos seus próprios adversários.

“Um grande jogador do Porto, o Carvalho, feirante de gado, que na «feira dos 26» em Angeja, perto de Aveiro, depois de se ter aguentado sozinho contra todos os que ali se encontravam coligados, tropeçou e caiu ao chão; então o mais forte dos seus adversários saltou para cima dele em sua defesa, intimando os demais a não tocarem no valente, sob pena de terem de se haver com ele” *2

Um praticante de renome foi “António Nicolau de Almeida nasceu no ano de 1873 tendo falecido em 1948. Foi o fundador e o primeiro presidente do Futebol Clube do Porto.
Junto com o seu pai, era sócio de uma empresa exportadora de Vinho do Porto e assumido «sports-man», praticante do portuguesíssimo jogo do pau (no velo Clube do Porto), do remo e da natação.”

Também no Orfeão Universitário do Porto se praticou o jogo do pau, tradição que se tentou recuperar nos anos 80, mas que infelizmente resta agora em uma simples memória, como um grupo desactivado. *4

Vila Nova de Gaia não ficou atrás e criou também fama no jogo do pau, em particular sabemos do Clube de Mafamude em que “Francisco Pereira é o Mestre Beirão, mestre na antiga fábrica de cerâmica do Carvalhido: é um homem possante, de uma boa constituição física, é um dos mentores e mestre do Jogo do Pau (Francisco Pereira foi já por si, aluno de outro mestre do Porto, o Mestre António Pereira Penela). É secundado por Armindo Cabreiro e o Neca Salsa ambos do lugar do Agueiro, em Vila Nova de Gaia. Também, António Carmo, policia sinaleiro na cidade do Porto, Mário Cruz de Cravel e Belmiro Ferreira, tipógrafo, morador da Rasa de Baixo.

Deste modo, e graças ao trabalho destes e de outros homens, em Setembro de 1931 é criado um novo clube em Vila Nova de Gaia. Tinha então nascido o Ginásio Clube de Mafamude, clube vocacionado para a prática e ensino do Jogo do Pau.

Com o tempo este grupo de jogadores do pau foi-se enraizando no local, as demonstrações desta arte de defesa pessoal foram-se sucedendo, os diversos locais por onde estes praticantes do Jogo do Pau vão passando e se exibindo, deixando os espectadores com vontade de praticarem esta arte, e encantados com a beleza e destreza deste jogo.

Foi tal a fama destes jogadores do Pau que por intermédio do diplomata português, Sr. Mário Duarte, que os jogadores do pau do Ginásio Clube de Mafamude tiveram a honra de serem chamados a deslocarem-se a cidade de La Guardia na festa de inauguração do campo de futebol, onde teve lugar um jogo de futebol entre as equipas do Celta de Vigo e o Real Espanhol de Barcelona, jogo precedido de uma exibição do Jogo do Pau.” *5

Este grupo continuou activo a fazer demonstrações pelo menos até 2006.

Não só na arte marcial do varapau o Porto fez história, também na literatura, grandes escritores portuenses utilizaram esta arte de combate que fazia parte da sua cultura, para enriquecer as suas obras, como por exemplo Arnaldo Gama, Alberto Pimentel e Júlio Dinis.

Nota: estes apontamentos, estando longe de estar completos, são simples recolhas de conteúdos disponíveis online, longe de uma pesquisa profunda que poderá ser feita.

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1- “As actividades desportivas no Porto de 1900” – José V. Ferreira, Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto, Porto, Portugal
2- O JOGO DO PAU EM PORTUGAL – Ernesto Veiga de Oliveira – “Festividades Ciclicas em Portugal” 1984
3- http://terrasbouro.blogspot.pt/2009/12/o-tradicional-vai-morrendo-aos-poucos.html
4- http://www.orfeao.up.pt/?menu=orfeao&orfeao=grp_desactivados&grupo=jogo_pauhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Orfe%C3%A3o_Universit%C3%A1rio_do_Porto
5- http://ginasioclubemafamude.webnode.pt/historia