Viemos para bater

“a história desses dois cabecilhas da politica local, de Vieira do Minho, o Padre Júlio, da Vila, e o Barroso, dos Anjos, o primeiro que junta mais de 500 homens, para vencer o seu adversário numa verdadeira batalha em campo aberto: o segundo, que lhe opõe 150, mas que eram a fina flor dos jogadores de pau, escolhidos por toda a região, até Montalegre, distribuindo-lhes braçadeiras vermelhas, para eles reconhecerem os demais da sua falange, na confusão da luta.

No dia da refrega, mediadores, receando o que seria o recontro, interpuseram-se e conseguiram que ele se não realizasse: pipos de vinho e vitelas assadas inteiras foram postos á descrição daquelas gentes.

Entretanto, chegavam os de Montalagre  – 20 homens chefiados por um amigo do Barroso – ignorantes da reconciliação: convidados a participar desse festim, ao perceberem o que se passara, recusam altivamente, dizendo que «tinham vindo para bater e não para comer»: e, metendo esporas aos cavalos, deram meia volta e voltaram para as suas terras.”

Festividades ciclicas em Portugal – 1984 – Hernesto Veiga de Oliveira

A romaria á Ermida de S. Silvestre

A romaria á Ermida de S. Silvestre perde-se no tempo, mas o fervor da devoção ao Santo avivou-se depois da reconstrução da capela. Para comemorar tal feito, foi celebrada uma grande missa pelos párocos das duas freguesias – Póvoa e Montalvão – com procissão ao longo de toda a azinhaga (desde a estrada até á capela) e comprado um Santo novo, desta feita de barro, vestido de branco já que S. Silvestre fora Papa.

Entre a Póvoa e Montalvão sempre houve muitas rixas, mas esta questão do S. Silvestre veio ainda reforçar o “ódio de estimação”entre as duas freguesias. Diz-se que as gentes de Montalvão tinham tanta”raiva”ás da Póvoa, por terem sido estes a reconstruir a capela e a comprar um Santo novo, que até insistiram em ter o antigo (de madeira) na sacristia para lhe fazerem as oferendas. Lá diziam eles que “Santos de barro não fazem milagres”. Por causa destas e outras desavenças entre os dois Povos, é aqui nesta romaria, que começam as famosas brigas de pau e pedra em que as azinheiras, na azinhaga que liga a Capela á estrada, ficavam completamente desfolhadas.

Por a Póvoa ser famosa em ter as mais belas raparigas dos arredores, era esta romaria muito visitada. Vestidas com os seus” fatos de Carnaval”, saia encarnada bordada, xailes lindíssimos nas costas e com todo o ouro ao peito eram mais um motivo de desavença entre os rapazes, que ponham todo o fervor numa desgarrada bem cantada e improvisada mas acabando sempre em insultos entre eles e claro numas boas pauladas e pedradas.

-Adaptado do texto de Elisabeth Arez inserido no programa do III Festival de Folclore em 20 Agosto 1994

Maudú-Assú

“N’esta acção se destinguiu pela sua descomunal actividade e força um matulão por nome Manoel Rodriguez, chamado porem Maudú-Assú, ou Manoel Grande. Ia n’um batel com a mulher, que era da mesma côr, e os seus escravos: duas canoas o investiram, mas ele as rechaçou ambas, manejando um varapau com força tal nos intervalos em que a virago lhe carregava o mosquete, que cada golpe era mortal para o selvagem sobre quem caia. Contribuindo mais do que ninguém para a vitoria que os portugueses alcançaram, foi galardoado com uma patente de capitão”

“História do Brazil” – Robert Southey, Fernandes Pinheiro, 1862

Jogos de pedrada, pau, etc.

 Edital de 7 de Maio de 1785, para acautelar e prevenir os jogos de pedradas, de pau, de espada nas praças publicas, e o das cartas, e os mais prohibidos nas tabernas, lojas de bebidas, etc.”


História da Guerra Civil e do estabelecimento do governo parlamentar em Portugal comprehendendo a história diplomática militar e política d’este reino desde 1777 até 1834. – Tomo 3

Festa desportiva da Escola Académica em 1906 – Mestre Artur dos Santos

Demonstração de jogo do pau, professor Arthur dos Santos
Demonstração de jogo do pau, professor Arthur dos Santos
Demonstração de jogo do pau, professor Arthur dos Santos

“Ilustração Portuguesa” – 14 de Junho de 1909. Nº173, Pg 756

-A FESTA SPORTIVA DA ESCOLA ACADEMICA EM 6 DE JUNHO
“1 – O professor de jogo do pau, sr. Arthur Santos, e dois dos seus discipulos”

artursantos_brasilportugal1909
“Brasil-Portugal” Nº 250 – 1909 – Festa da Escola Académica a favor das vitimas do terramoto do Ribatejo – Assalto de jogo do pau dirigido pelo professor Artur dos Santos.

 

 

O Manilha

É de Quintas Neves, o «Manilha», a quem saltam ao caminho três contendores, chefiados pelo seu rival em amores, para o proibir de põr mais os pés na freguesia.

O caminho, apesar de largo, não lhe permitia, contudo, alargar-se num varrimento capaz de formar terreiro onde pudesse desenvolver um jogo largo, sem surpresas prejudiciais. Optou pelo jogo curto, o jogo da quingosto, bem cingido ao corpo, em movimentos de boa cobertura onda a vara era uma barreira móvel.

No primeiro tempo reuniu os adversários numa só frente, ficando desta forma sem preocupações de cobrir a retaguarda; e ao primeiro que se adiantou, bem quadrado no comprimeiro dos paus, traçou-lhe a defesa num falsete de mestre, que o separou desarmado da contenda.

Os dois restantes, um dos quais novato a quem tinha ensinado alguns rudimentos do jogo, perderam a coragem e já só jogavam processando uma defesa hesitante. Mas o «Manilha», a quem não convinha deixar de visitar a localidade porque gostava a valer da namorada, não queria molhar a vara e, como numa das sua aulas no Souto das Carvalheiras, entreteve-se pardatinamente a cansar-lhe os braços e o corpo em movimentos mais largos do jogo da cruz.

Decorrido pouco tempo, os dois adversários a quem, como ao primeiro, não incitava o ciúme estavam encostados a um dos muros laterais, derrotados e já sem forças, quando um largo vira-costas de amplos movimentos circulares, o atacado se aproximou procurando num sarilho, em que era eximio, atordoar os dois antagonistas. Não foi preciso mais: os dois num movimento unanime, hirtos, contra a parede, atiraram aos pés do Afonso os seus varapaus, ficando, de braços cruzados, á espera da reacção do considerado jogador.

Esta não se fez esperar: num salto ligeiro, recuando cerca de dois passos, juntou, num gesto cheio de nobreza, a sua vara à dos dois vencidos, e assistiu, em posição e atitude de calma simpatia, à retirada dos dois, cabisbaixos e curvados….

Festividades ciclicas em Portugal – 1984 – Hernesto Veiga de Oliveira

desenho de Pedro Constantino

Lambada

Descrição de jogo do pau praticado numa romaria ao mesmo tempo que esgrima com espada preta, em versos do sec. XVIII.

Aqui, o soar da Lambada não se trata de um ritmo latino que surgiu por volta de 1980 no Pará, mas sim do forte e característico som resultante do bater de vara com vara.

“Xegada estava entaõ uma romagem
Dia de Pentecoste, onde Coimbra
Em pezo aos Olivais sair costuma.
He esta uma função das mais luzidas
Daqueles arrebaldes; ali entra
Tudo o bom, e bonito, e ali se encontra
Todo o recreio de qualquer espece.
Veemse ali jacozissimas Comedias
No amplo teatro do arraial vistozo.
Veemse as Trajedias de orroroso aspéto
A sena ensanguentarem, D’uma parte
Esgrimese com ansia a espada preta,
D´outra em jogo de páo soa a lambada.

(…)”

“Santarenaida: poema eroi-comico” de Francisco de Paula de Figueiredo (1792)

O Jogo da Foice

O Padre Casimiro, numa carta ao Rei D. Carlos, datada de 12 de Maio de 1874, propõe uma forma de utilizar um género de lança improvisada feita a partir de uma foice roçadora, utilizando uma técnica baseada no jogo do pau. Referindo que esta proposta já tinha sido pensada por um militar, o Sr. António Joaquim de Barros Lima, oficial em várias guerras desde 1828.

 

(…) Proponho ultimamente à consideração de Vossa Majestade (…) E consiste ela em armar de revolver e roçadora uma ou duas companhias em cada batalhão, para substituírem a cavalaria, e baterem-se com ela, e, principalmente, para nas cargas a ferro frio decidirem as batalhas com mais rapidez e segurança que os botes da baioneta.»

E explica :

«A roçadora é a mesma foice de podar as vides, mas com ponta aguda na direcção das costas, do tamanho de meio palmo acima dela, para poder cortar para o lado, e espetar para a frente, encabada em um pau da altura de um homem, como a figura aqui desenhada ao lado.

O manejo desta arma é o mesmo do jogo do pau, pegando-se dela com a mão esquerda, e com a direita no meio dele para o lado da foice, ficando o ombro direito em frente com o inimigo. Para saber o manejo dela basta aprender a dar um passo para a frente e para a retaguarda, já por um lado já por outro, dando de cada vez, junta com o passo, uma volta de roçadora em redor do corpo e por cima da cabeça para se cobrir das pancadas inimigas, como no jogo do pau quando se faz varrimento; e acrescentando em cada passo, quando o ombro direito fica para o inimigo, uma pontada para a frente ou para ele.

Um qualquer dos vossos Navarros, armado de roçadora, e estando bem convencido da firmeza, serventia e efeitos desta arma, pode arrostar com cem republicanos, nas cargas a ferro frio, e até com os cavalarias ou lanceiro, devendo procura-los sempre pela esquerda ou frente do cavalo, por que por uma e outra parte alcança pouco tanto a espada como a lança, e o rocêna pode espetar o cavalo pelo peito, ou cortar-lhe as pernas, ou os queixos, ou as rédeas.»

“Maria da Fonte – Apontamentos para a História da Revolução do Minho de 1846”

Código tácito de honra.

(…) Nesse jogo «a matar» não havia que observar regras, todos os meios e golpes se usavam, e a maestria constituía somente uma garantia maior de vencer.

Mas existia uma espécie de código tácito de honra, que os bons jogadores seguros de si – e de um modo geral as pessoas bem formadas – não deixavam de cumprir e que exprimia o próprio valor do jogo.

Não se atacava o inimigo que não levasse pau: Quintas Neves mostra o «Manilha» atirando o seu pau para o chão depois de com ele ter desarmado e desmoralizado totalmente três adversários que lhe haviam saltado ao caminho.

E ouvirmos a história de um grande jogador do Porto, o Carvalho, feirante de gado, que na «feira dos 26» em Angeja, perto de Aveiro, depois de se ter aguentado sozinho contra todos os que ali se encontravam coligados, tropeçou e caiu ao chão; então o mais forte dos seus adversários saltou para cima dele em sua defesa, intimando os demais a não tocarem no valente, sob pena de terem de se haver com ele.

Festividades ciclicas em Portugal – 1984 – Hernesto Veiga de Oliveira

Os transmontanos, que comem pão de centeio, os minhotos, que comem pão de milho, até na malquerença são leais. Erguem o varapau á luz do sol, para que se veja bem, fazem-no zenir na esgrima, para que todos oiçam, e só depois se julgam autorizados a desmiolar a cabeça do adversário.
É a força, a coragem, a nobreza do duelo: aqui vou eu; defende-te lá.

Ninho de Guincho – Alberto Pimentel (1903)