Foi publicado finalmente uma versão do manual de esgrima de Luis Godinho de 1599. Este trabalho, na minha opinião é o que mais semelhanças apresenta ao jogo do pau português, na vertente de espada a duas mãos, tendo descrições detalhadas de encadeamentos contra dois ou
mais adversários, geralmente vindos de trás e diante, exatamente como se
faz no jogo do norte.

Variando desde situações, como em ruas muito apertadas, até estando cercado em campo aberto. Sendo assim, não uma mera
curiosidade ou uma coincidência de um ou outro paragrafo, mas uma serie
de elementos pensados e construidos para um programa de esgrima em
inferioridade numérica bastante completo, como no caso do jogo do pau
português, e que se vê em tão poucas outras artes de combate, quer
antigas quer modernas.

Existem certamente muitos outros manuais de esgrima portugueses,
espanhóis e por todo o mundo, mais recentes, mas este é dos poucos que
tem uma secção tão focada no combate em inferioridade numérica, prática
que foi votada ao esquecimento em trabalhos mais recentes de esgrima,
mas que não foi esquecida por quem necessitava dela para se defender, a
varapau.

http://www.ageaeditora.com/
And… finally! After a huge delay, we are proud to present Domingo Luis Godinho’s «Arte de Esgrima», the only known complete book on the
«old school» iberian swordplay, which
was so thoroughly wiped out by the emergent Verdadeira Destreza that
this text is one of the few sources that remained.

The book is 275 pages long, of which about 230 comprise the original
text, enhanced with an introduction, context, annalysis and
transcription notes.  The original text itself delivers
instructions on single (rapier) sword, sword and rotella, sword and
buckler, twin swords, sword and dagger, sword and cape, and the longest
known text on the iberian montante.

Godinho originally wrote the
book in a rough spanish ladden with portuguese expressions and
mannerisms. We have normalized the text to modern spanish, expecting to
make is thus more accessible. A must for researchers of iberian fencing traditions!

mindhost:

AGEA Editora are in the process of publishing the “Arte de Esgrima” by  Domingo Luis Godinho, one of the few complete sources of esgrima vulgar or esgrima común (vulgar or common fencing), the Iberian swordplay that was replaced by La Verdadera Destreza.

The transcription and translation work was carried by Manuel Valle Ortiz and Tim Rivera, aided by Jaime Girona, Steve Hick and Eric Myers.

Cercado, numa praça, campo ou rua.

Regra de combate em inferioridade numérica, em manual de esgrima do século XVI de um autor natural de Santarém.

Bastante similar ao que muitos grupos de jogo do pau fazem, na pratica do jogo do meio.

 “Arte de Esgrima”, Domingo Luís Godinho – 1599

“10ª Regra – Cercado, numa praça, campo ou rua.

É preciso ter muita agudeza, agilidade e um grande brio, quando numa batalha nos encontramos cercados de adversários.

Logo, celeremente segure o montante*1 pela forma da 3ª Regra*2, e, estando no meio deles, com os joelhos dobrados, a cabeça direita, fixado no pé esquerdo, corte um talho*3. Seguindo com o pé direito, corte outro talho, de forma a ir andando de lado, ora sobre o pé esquerdo, ora sobre o pé direito, e vá dando talhos em roda viva, cingindo todo o corpo em roda com o montante. Dá-se a cada passo um talho, que poderão ser até três ou quatro, mas que não devem passar de cinco, pelo perigo que há em desfalecer a cabeça. Acabados estes passos, dados com talhos, volta-se para o lado em que se começou, com outros passos, desta vez dando revezes*4. Da mesma forma que os talhos, dá-se um revés em cada passo do pé, rodando todo o corpo com o revés.

É de notar que quando se segue rodando, com os ditos golpes, os pés deverão ser colocados com segurança, e mais, devem ser colocados direitos, estando sempre um ou outro fixo, e andando com o corpo sempre muito direito. Com a cara, ora olhando para um lado, ora para o outro. E desta forma, ora com passos de talhos, ora de revezes, a um lado e a outro, se dará tantos passos enquanto dure a batalha.

Adverte-se, que se se estiver cercado em campo aberto, os passos não devem ser dados sempre ao mesmo lado, volta-se ao sitio onde se começou, mas continuando a dar passos, ora a um lado ora a outro, fazendo todo o circuito numa roda.

Se for o caso de se estar numa rua larga, neste caso devem-se dar passos a um lado e ao outro, e é de advertir que não devem haver pontuadas.

Caso haja necessidade de romper o esquadrão inimigo que nos cercou, dever-se-á carregar, com passos, sobre a parte onde se vir maior fraqueza. E aproximando-se com um brado para fora, juntamente dar-se-á uma ponta com as unhas para cima, um grande salto em roda, e no fim da ponta, um talho e um revés. Estando de fora, pode-se aproveitar para fazer a 9ª Regra.

Como aviso, quando se está cercado, deve-se sempre carregar ao lado onde os adversários tiverem mais força.”

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1- Espada grande, que se segura a duas mãos, geralmente com um pouco mais de metro e meio.
2- Guarda alta do lado direito da cabeça, com a ponta para trás.
3- Pancada enviesada pela direita.
4- Pancadas enviesadas pela esquerda.

Texto adaptado para português actual.

Para saber mais sobre o autor e a esgrima Ibérica antiga, consultar http://www.spanishsword.org

“Arte de Esgrima” – Luís Godinho, 1599 – Editado recentemente por: http://www.ageaeditora.com/