Cuisine Française

Havia um homem que, à passagem dos franceses, se escondeu num cipreste antigo, tendo aí permanecido até que vencido pela fome e pela sede, saiu por fim do esconderijo, dirigindo-se então para a sua casa, que ainda distava algumas centenas de metros. Pelo caminho, eis que o cheiro a comida, vindo de sua casa, lhe encheu as narinas. Munindo-se de um pau, entra em sua casa e encontra um francês, que se entregava às lides culinárias e que ficara por cá depois da retirada dos franceses. O homem, vendo o  francês de costas, arruma-lhe uma grande paulada na cabeça, à qual o francês teve morte imediata. A comida, essa bem cheirosa, estava ali pronta para aquele estômago faminto.

«em Basto basto eu»

É opinião, mais ou menos generalizada, que o primitivo Mosteiro de Refojos de Basto provém da alta Idade Média, no que são unânimes os cronistas da Ordem de S. Bento, que o remontam à fase da Reconquista, e quando a luta entre Cristãos e Mouros estava ainda longe de chegar ao fim.


Mosteiro de São Miguel de Refojos de Basto, no Concelho de Cabeceiras de Basto. gravura publicada na revista “O Ocidente” nº 75 de 21 de Janeiro de 1881.

Conta-se, que tendo certo dia os Muçulmanos aproximado-se de modesto cenóbio, com a intenção de o arrasar e matar os religiosos que lá se encontravam, estes se lhe oporem com tal valentia, que eles se viram forçados a retirarem vencidos, sem consumarem os seus propósitos de destruição.

Nesta luta desigual teria tomado parte Frei Hermígio Romarigues, religioso de grande envergadura e força invulgar, que ficou conhecido na tradição pelo nome de Basto, em virtude de na fase mais acesa da refrega, e enquanto brandia o seu grosso pau, ter proferido a seguinte frase: «em Basto basto eu». E daí o nome de Basto dado à estátua dum guerreiro galaico-lusitano, colocada junto à ponte do rio que atravessa a vila, numa ingénua atribuição da sua origem ao valoroso frade de Refojos pela sua heróica coragem revelada na luta contra o herege.

O RAPAZ E OS LOBOS

Conta a lenda, que um rapaz namorava uma rapariga e que uma noite resolveu ir vê-la às escondidas dos pais. Para isso colocou debaixo dos cobertores várias almofadas dando a impressão de lá estar. A mãe do rapaz acordou sobressaltada com a sensação de que o filho não estava em casa. Levantou-se, foi ao quarto dele e vendo o vulto voltou para a cama. Mas continuava inquieta. Levantou-se novamente dirigiu-se à cama do filho, destapou as almofadas e viu que este não estava lá. Imediatamente ela, o marido e mais algumas pessoas se puseram à procura dele.Foram encontrá-lo no meio do mato com um pau na mão rodeado de lobos. Quando o viram, gritaram:

Descansa que já aqui há quem te valha. O rapaz distraiu-se e imediatamente e os lobos aproveitaram essa distracção para se deitarem a ele e o desfazerem. *1

Esta lenda, de final trágico, é no entanto uma excelente analogia ao chamado “jogo do norte”, a antiga prática portuguesa de defesa em inferioridade numérica. Desde a referência à total atenção requerida numa situação tão perigosa como esta, aos lobos, que estando habituados a movimentar-se de forma a cercar as suas presas, trabalham em equipa, pondo o individuo na posição caracteristica que a tradição e história portuguesa retrata estas situações de combate, em que me posso “encontrar cercado de inimigos”*2 ou “cercado numa praça campo ou rua”*3 ou obrigado a “brigar com gente por detraz e por diante”*4.

_____________________________________________

1-Recolha efectuada em Sobral do Campo, concelho de Castelo Branco
CONTOS MITOS E LENDAS DA BEIRA – José Carlos Duarte Moura
2- “A Arte do Jogo do Pau” – Joaquim António Ferreira (1886)
3- “Do Arte de Esgrima” – Domingo Luis Godinho (1599)
4- “Memorial Da Prattica do Montante” Mestre de Campo Diogo Gomes de Figueyredo (1651)

Lenda dos quatro irmãos

Num lugar muito agradável e pitoresco , Minho , nas faldas da Serra da Falperra, antiga estrada Real que ligava Guimarães a Braga . Deu-se o nome de (quatro Irmãos) a quatro penedos que parecem tampas de sepulturas, segundo a tradição , quatro irmãos destes sitios,filhos de Maria do Canto,amavam uma formosa menina, sobrinha do Abade da Freguesia. Ardendo em amor e ciume,os quatro irmãos reptaram-se para neste lugar decidirem á paulada ,quem havia de casar com a rapariga . Tres ficaram logo mortos no campo, e o quarto, que ainda viveu algumas horas é que contou tudo ao Abade,que os mandou enterrar no sitio da contenda,que se ficou a denominar os quatro irmãos até aos dias de hoje.

A lenda:
Eram quatro irmãos.(1) Fortes e belos. E amigos. Como não se conheciam outros. Quatro irmãos, órfãos de pai e mãe. Mas tão unidos que serviam de exemplo. Exemplo de lealdade e de compreensão.

Pois os quatro irmãos viviam ali, na freguesia de Sande, (2) no cenário paradisíaco do Minho, e andavam sempre juntos. Um dia, o mais velho disse para os outros três:
– Rapazes! Vamos hoje à Feira Grande.(3) Já tenho o carro aparelhado. Voltou – se para o mais novo.
– Tu, arranja o farnel!… Leva bastante comida, Hem! Vamos lá passar todo o dia e talvez mesmo um bocado da noite.
Depois dirigiu-se aos outros dois:
– E vocês preparem mantas para o regresso. Podemos voltar tarde e é capaz de arrefecer. Temos de ter cautela com a saúde!
Não tardaram a ser cumpridas as ordens do irmãos mais velho. Este esfregou as mãos, jubilosamente.
– Assim, até apetece.Quando nós, os quatro irmãos, nos metemos ao trabalho, tudo se faz numa instante!
Riram todos. Quatro gargalhadas frescas e sadias.
Apontando o carro já preparado para a viagem, o irmão mais velho acentuou: – Vai ser um dia bem passado, lá isso vai!… Ou muito me engano, ou a Feira Grande este ano subirá de fama nas redondezas!
Os outros três corroboraram logo:
– Claro! Nós somo bem conhecidos e já nos esperam com toda a certeza! – Seremos mais uma vez a grande atracção da feira, vocês vão ver! – Quem é que pode resistir a boa amizade de nós quatro?…
E os quatro irmãos tomaram os seus lugares no carro e abalaram de corrida para a Feira Grande.
Tudo se passou tal como eles pensavam. A certa altura, tinham-se transformado nos heróis da Ferira Grande. Quatro heróis. Sempre juntos, sempre amigos!
Porém, a multidão foi crescendo, aumentando, e acabou por separá-los, mau grado deles.
O mais novo dos quatro irmãos viu-se de súbito diante duma jovem de extraordinária formosura. Pareceu um pouco aturdido. Não se sentia bem. Faltava-lhe a companhia dos outros três. E tentou continuar à procura deles. Mas a jovem formosa cortou-lhe a passagem, olhou-o bem de frente e disse sorrindo:
– Escusais de pensar encontrar agora os vossos irmãos.
E acentuando o riso e o olhar:
– Fui eu própria que vos separei.
O mais novo dos quatro reflectiu primeiro com surpresa, depois curiosidade. – Vós, Senhora?… Mas.para quê?…Por que motivo?
Ela inclinou-se para a frente. O seu perfume perturbou-o.
– Não gosto de concorrentes.Até à vossa chegada, era eu a rainha da festa! Foi a vez do jovem sorrir.
– E continuais a ser, sem dúvida alguma.
Depois, talvez arrastado pelo perfume que aspirava, prosseguiu:
– A vossa beleza, Senhora, é superior a tudo quanto nos rodeia!
Ela meneou os seus belos cabelos negros, num ar de graça.
– Obrigada pelo madrigal!…Já vejo que sois poeta!
O rapaz começou a sentir-se mais à vontade.
– Se poesia se pode chamar à verdade, Senhora.Então, sim, sou poeta para cantar a vossa formosura.
Sem querer ( ou talvez não) as mãos dela tocaram as mãos dele.
– Deveras me lisonjeais com tais palavras.Embora ainda tão novo, já sabeis falar muito bem!
O seu olhar tornou-se muito triste.
– Mas sereis eu merecedora de tanta atenção?…
O mais novo dos quatro irmãos empertigou-se. Ganhou figura.
– Digo-vos mais, Senhora. Se vós quisésseis.
– Se eu quisesse?…
– Poderíamos ser felizes!
Calaram-se. Ela, a meditar. Ele, surpreendido com a ousadia das suas próprias palavras. E ainda desta vez foi a jovem bela e estranha a primeira a falar. – Que dirão os vossos irmãos. quando souberem do nosso encontro?
Ele pareceu cair do sonho na realidade. Teve um movimento brusco de enervamento, a traduzir íntima inquietação.
– Tendes razão, senhora. Preciso de falar imediatamente com os meus irmãos. E agora, atrevidamente, foi o rapaz quem segurou as mãos dela, apertando-as nas suas. Com a violência do amor da juventude.
– Senhora, por tudo vos peço que não vos afasteis daqui. Eu voltarei em breve, para ficarmos juntos até à feira acabar!
Multiplicando-se em esforços, o mais novo dos quatro irmãos foi rompendo por entre a multidão, até que finalmente conseguiu encontrar os outros.
Ofegante, correu para eles.
– Irmãos!… Irmãos!… Ainda bem que os encontrei!
O mais velho fitou-o. Curioso e inquieto. Talvez desconfiado.
– Que se passa? Que tens tu?
Então o outro , lentamente, olhou os três, um por um, e disse devagar, silabando bem para que ouvissem melhor.
– Apaixonei-me!
Houve gargalhadas. Mas gargalhadas diferentes. Conforme as reacções de cada um.
– Deves ter bebido, com certeza!
– Apaixonado? Por alguma rapariguita da tua idade?
– Que partida é essa que tu nos queres pregar?
Mas, sem fazer caso, nem da troça, nem do desdém, nem da descrença, o mais novo dos quatro contou o seu maravilhoso encontro com a jovem formosa.
Os comentários choveram imediatamente:
– Se ela é assim, eu também a quero ver!
– Primeiro estou eu, que sou mais velho do que tu!
– Isso não interessa. Quem chegar primeiro é que vence!
– Porque não a trouxeste contigo?
– Foste um parvo! A esta hora já fugiu.
– Eu vou procurá-la!
– Nada disso. Quem vai sou eu!
De repente, o irmão mais velho resolveu impor a sua autoridade. Pela primeira vez na vida dos quatro irmãos.
– Calem-se! Sou eu o mais velho de todos. Portanto sou eu que vou falar com a tal jovem. Depois lhes direi a minha opinião.(4)
Simplesmente, tal como se conta, ele esqueceu-se de perguntar qual o local onde a rapariga ficara. E, assim, teve de percorrer a Feira Grande em várias direcções, sem que a descobrisse.
Já estava prestes a desistir, quando ouviu alguém rir mesmo junto de si. Voltou-se. Era uma rapariga estranhamente bela.
– Não me digais que sois vós o tal irmão mais velho que anda à minha procura.
Ele suspirou. Encontrara-a, finalmente! E confessou:
– Sou eu, sim . E tenho muito prazer em verificar que o meu irmão mais novo falou verdade!
Ela tornou a rir. Um riso cristalino mas esquisito.
– Perdoai, Senhora. Posso saber porque razão estais tão alegre?
Ela envolveu-o num olhar meigo e perturbador. Irónico também.
– Estou a rir. porque já todos passaram por aqui. Os outros vossos três irmãos! – Eles fizeram isso?
– E porque não?
As duas perguntas quase se chocaram. Depois o irmão mais velho tentou esclarecer:
– Não o deviam ter feito.Sabiam que eu tinha vindo precisamente à vossa procura. Para falar primeiro convosco, Senhora!… Eu tenho essas primazia. Sou o mais velho dos quatro!
Os olhos dela semicerraram-se, num olhar felino.
– Pois escutai, então. Eles passaram por aqui. e estão apaixonados por mim! Seria um desafio? Ele assim o entendeu. E não hesitou na resposta:
– Pior para eles!… Só eu, Senhora, tenho direito ao vosso amor!
A surpresa pareceu estampar-se no rosto da rapariga. Surpresa sincera. Surpresa grande.
– Como? Que dizeis?… Tendes o direito ao meu amor? Porquê?
Ele compreendeu que se excedera. Procurou adoçar a explicação:
– Bem vedes, Senhora. Sou o mais velho dos quatro. O mais experiente. O que mais vos pode oferecer. Os outros dependem de mim.
Entendeis-me, não é assim’ Como mais velho, devo ter sempre a prioridade! Ela pareceu não se conformar.
– Enganais-vos. Em amor, não há prioridade. Só eu posso decidir. Ouvis bem? Só eu quero decidir!
O homem achou melhor não prolongar a discussão. E limitou-se a perguntar: – Se assim é. que decidis?
Altiva, mais bela do que nunca, a estranha desconhecida ditou então ao vento a sua resposta, como se o vento levasse as palavras para a eternidade: – Quereis saber o que eu disse aos vossos três irmãos?… Escutai, pois: Casarei com aquele que entre vós for o mais valente e o mais forte!
Agora foi ele a rir. Um riso de triunfo.
– Mas, Senhora, eu sou tudo isso!
E logo ela, num ar gaiato e provocante, inquiriu:
– Como o provais?…
Diante da falta de resposta, continuou:
– Cada um dos vossos três irmãos afirmou também que era o mais forte e o mais valente!
– Mas eu sou o mais velho, Senhora!
Ela encolheu os ombros, espicaçando-lhe o brio.
– Isso nada prova!
O homem agarrou-a pelos ombros, num decisão súbita.
– Que desejais?
E a rapariga, libertando-se sem grande esforço, acentuou pausadamente:
– Já que me quereis. é preciso que os quatro lutem entre si, até que um fique vencedor dos outros três. Esse será o mais valente e o mais forte. E esse será também o que me conquistará !
O mais velho dos quatro baixou a cabeça. Parecia vergado por um peso enorme. Talvez o peso da própria consciência.
– Senhora, o que pedis é realmente terrível!… Assim se destruirá para sempre a amizade dos quatro irmãos. Uma amizade que vale como exemplo, Senhora! A resposta dela foi cruel, mas excitante:
– Eu só poderei pertencer a um de vós.e não aos quatro! Não pensais assim? O homem hesitou ainda, antes de falar. Por fim, as palavras saíram em voz soturna:
– Pois será satisfeito o vosso desejo, senhora. Vou à procura dos meus irmãos!
Mas logo a jovem formosa, intencionalmente aproximou-se dele e apontou para bem perto.
– Não vos canseis. Eles já estão à vossa espera, lá em baixo. Foi um encontro brutal. Os quatro irmãos (antigamente tão amigos e unidos, como outros não havia) olhavam-se agora cheios de rancor.
Pela primeira vez nascera o ódio entre eles. Um teria de matar os outros, para mostrar que era o mais forte e o mais valente. E conquistar aquela mulher estranhamente bela, que os olhava lá de cima, como que envolta numa auréola de luz. De luz ou de fogo?…
A luta começou. (5) Luta de vida ou de morte. De qualquer modo, luta de tragédia, entre quatro irmãos que até bem pouco antes eram exemplo de compreensão e lealdade!
O mais velho foi afinal o primeiro a sucumbir. Depois outro. E logo outro. Por prodígio, aquele que conseguira resistir até ao fim era o mais novo. Mas também pouco lhe restava de vida. Ele bem o compreendeu, ao olhar os corpos dos irmãos caídos por terra.
E então, sem voltar a olhar sequer lá para o cimo, onde estava a mulher desejada, começou a arrastar-se, com as poucas forças que lhe restavam, a caminho da igrejinha que ficava próximo dali.(6)
Foi desse modo que lá conseguiu chegar. Esvaindo-se em sangue.
Morrendo aos poucos.
Quis levantar-se, mas caiu nos braços do prior.
– Padre, meu bom padre. ajudai-me!
O sacerdote impressionou-se.
– Meu Deus! Nesse estado. Mas que aconteceu?…
Em voz agonizante, mal se ouvindo por vezes, o pobre rapaz, único sobrevivente dos quatro irmãos, contou a sua história triste. Triste e dolorosa. O padre benzeu-se rapidamente e benzeu o moribundo.
– Meu pobre filho. Tu e os teus irmãos foram certamente enganados pelo Demónio, na figura de uma mulher perversa.
E suspirando, de olhos erguidos ao céu:
– Meu Deus, fazei que ao menos se possam salvar as suas almas!
Com muito custo, o sacerdote conseguiu levar o rapaz agonizante ao local onde se desenrolara a terrível e singular batalha. Mas, chegados ai, o jovem não resistiu mais. Tombou também para sempre, ao lado dos outros. De novo estavam juntos, os quatro irmãos!
Lá os enterrou, o bom sacerdote, colocando-os lado a lado, rezando-lhes as últimas orações, para que as almas não se perdessem.
E fosse pelo que fosse, a verdade é que sobre a campa de cada um dos quatro irmãos surgiu, mais tarde, um penedo, (7) que passou a marcar para o futuro a triste sepultura.
E a povoação que depois se ergueu nesse mesmo local a denominar-se a Terra dos Quatro Irmãos. E, mais modernamente, apenas Quatro Irmãos. (8)

________

Notas:
(5) – A luta dos quatro irmãos – tenho escutado várias referência a esta luta e nem todas são concordes na maneira como eles lutavam. Mas a versão mais divulgada é a que se batiam à paulada. É bem de admitir que tenha sido á paulada, pois era muito frequente em tempos antigos, e sobretudo no Norte do País, o jogo do pau ou luta do pau, empregando o característico varapau, vara comprida e forte, geralmente talhada numa haste de marmeleiro, que servia de cajado e de arma.

outras notas (1) (2) (3) (4) (6) (7) (8)

Um “diabo” de varapau

Quem, vindo pela estrada a que hoje teremos de chamar “velha”, que ligava a Portelinha à Benfeita, tivesse atravessado a Dreia e transposto o ribeiro “de cima”, e deixasse à esquerda a “casa dos colhereiros” e, logo em seguida, na curva, as “alminhas” que convidavam o caminheiro a rezar pelos que penavam no Purgatório, entrava na pitoresca e tenebrosa “Barroca da Vinha”. Pitoresca porque a estrada marginava formoso soito de gigantescos castanheiros,cujas copas,de um verde claro e alegre, formavam fechado docel, que o Sol a custo rompia; tenebrosa porque o “Diabo”, segundo a tradição, escolhia aquele fresco e umbroso local para aparecer àqueles a quem queria tentar, ou meter medo. Raras seriam as pessoas que, de dia, atravessavam a “Barroca da Vinha” sem levarem o “Credo” na boca e a mão bem nervosamente apertada numa figa. E de noite… De noite, quem se atreveria a atravessar, sozinho, aqueles cinquenta ou sessenta metros de estrada?

Uma tarde, o Manuel “Maneta”, de regresso não sabemos de onde, demorara-se a conversar na Dreia, numa roda de amigos. Cavaqueava-se e bebia-se; “rodada” para por um, “rodada” oferecida por outro, e depois por um terceiro e um quarto, que não queria ficar de somenos. O Sol já havia desaparecido há muito e a noite começava de adensar-se.

– Manuel, são horas – disse alguém – olha que não há luar e a noite vai ser de breu. Daqui à Benfeita ainda é um bocado, e os caminhos estão maus.
– Ainda é cedo – respondeu o interpelado – e o escuro não me mete medo!
– Mas olha que pode aparecer-te o “Diabo” na “Barroca da Vinha” – insistiu o amigo, para pôr fim às “rodadas”.
– Pois até gostava que me aparecesse. Ao menos ia de companhia! – retorquiu o Manuel, com uma bela e sonora gargalhada.

A cavaqueira continuou ainda, mas a evocação do “Diabo” não deixou de impressionar os circunstantes, que, primeiro um, depois outro, foram indo para casa.

Às tantas, o “Maneta” despediu-se e, com uma bengalita de vareta de aço forrada de papel, que estava, então, na moda, meteu-se resolutamente ao caminho, assobiando. Desceu até à ribeira, subiu tornejando para a “casa dos colhereiros”, benzeu-se em frente às “alminhas” e entrou no túnel formado pelas copas dos castanheiros. A escuridão era ali completa, e profundo o silêncio da noite, só interrompido pelo estalar dos gravetos debaixo dos pés do viandante. Súbito, o “Maneta” ouviu uma voz, uma voz roufenha, medonha, pavorosa! Estacou, olhos dilatados! Ouvidos atentos, ansiosos! E a voz repetiu, arrastadamente:

– Ó Manuel, espera aí que eu também vou!

E, detrás de um castanheiro, que depois se ficou a chamar “do medo” ou “do Diabo”, surgiu um vulto branco, enorme, horrendo, a avançar para a estrada, brandindo um gigantesco e ameaçador varapau, prestes a deslombar o interpelado!

Nessa noite, o Manuel Martins chegou a casa muito mais cedo do que contava. Dir-se-ia que teve asas, ou que o seu anjo protector o ajudou a percorrer o resto do caminho! Porque o “Diabo” não foi, porque o “Diabo” ficou na “Barroca da Vinha”, pois não teve “pernas” para acompanhar o “Maneta” na corrida.

A verdade é que só muito tempo depois o “Maneta” acreditou que aquele vulto medonho, horrendo, alveiro, de voz cavernosa, escalafriante e varapau ameaçador, não fora senão o José Gomes que, cortando caminho pelos matos, lhe saíra à frente naquele preparo, disposto a abater-lhe a prosápia com duas boas arrochadas.

Nota: O soito existente na “Barroca da Vinha” desapareceu totalmente com a “malina” que em toda a região deu nos castanheiros. O local está hoje completamente diferente do que era quando ocorreu a aventura, verdadeira, que fica descrita, não só pela falta dos castanheiros que ensombravam o caminho e o tornavam tétrico de noite, mas também porque sobre este veio a construir-se a “estrada de macadame”.

As “alminhas”, porém, ainda estão no mesmo local, reparadas dos insultos do tempo e dos malefícios dos homens, graças ao generoso interesse e patrocínio do Sr.António Nunes Leitão.

José Gomes, o “Diabo” que saiu ao caminho do “Maneta”, era um homem alto, forte e valente, alfaiate de seu ofício que deixou boa fama de si.

Mário Mathias
A Comarca de Arganil – Agosto/1954
http://benfeita.net/histor15.htm

A Inês Negra

Esta história teve lugar em 1388, no início do reinado de D. João I, em que se travou uma guerra contra Castela pela independência de Portugal.

Esta contenda, em que sobressaíram os feitos do Condestável Nuno Álvares Pereira e de muitos nobres portugueses, dividiu a aristocracia e o povo português, tomando muitas terras o partido de Castela.

Foi durante esta guerra civil que a Inês Negra, uma mulher do povo fiel à causa portuguesa, abandonou Melgaço quando esta cidade se pôs ao lado do rei de Castela.Quando D. João I decidiu reconquistar Melgaço, Inês Negra juntou-se ao seu exército, mas as duas facções nunca chegaram a defrontar-se.

A batalha travou-se entre Inês Negra e uma sua inimiga de longa data, a “Arrenegada”, que tinha optado por apoiar os castelhanos. A lenda diz que a “Arrenegada” desafiou Inês Negra do alto das muralhas, propondo que a contenda fosse resolvida entre ambas com o acordo do exército castelhano. D. João I assistiu espantado à resposta de Inês Negra que dizia aceitar o desafio.

Ambos os exércitos concordaram com este duelo e a Inês Negra, de espada na mão, defrontou a sua inimiga apoiada pelos gritos de incitamento dos homens de D. João I.

O silêncio instalou-se quando a “Arrenegada” fez saltar com um golpe a espada das mãos de Inês, mas esta tirou uma forquilha da mão de um camponês e fez-se à luta, procurando atingir a “Arrenegada” nas pernas. Sentindo-se em desvantagem, esta atirou fora a espada e pegou num varapau que quebrou com fúria nas costas de Inês.

Louca de fúria e de dor, Inês Negra largou a forquilha e atirou-se com unhas e dentes à sua oponente, rolando ambas no chão empoeirado. Um grito de dor gelou a assistência, que não conseguia perceber qual das duas vencera.

Foi então que a “Arrenegada” se levantou e fugiu para o castelo, tapando as nódoas e o sangue do rosto com as mãos.

Os castelhanos abandonaram Melgaço no dia seguinte e D. João I quis recompensar a heroína, mas esta respondeu que estava plenamente recompensada pela sova que tinha dado à sua inimiga.