Cura portuguesa para negaças

A discussão em torno de mais garrafas de Antárctica prosseguia sobre capoeiras e capoeiragem lembrada pela rasteira que o mulatinho aplicara a indivíduo muito mais forte do que ele. O monitor contava as proezas que presenciara no Maranhão de onde provinha e por brincadeira censurava os rapazes quando duvidavam que o vendeiro por ser português não podia enfrentar um capoeira.

– Tem mondrongo que sabe o que é rasteira, rabo de arraia, cocada. Tem sim senhores. Na Bahia, onde eu me demorei antes de vir para cá – dizia o ginasta – eles de tanto viver com bamba aprendem quando moços a arte. Eles rapa um homem, dá um corta-capim tão bem como qualquer cabra de tiririca. Nem precisa ir tão longe, mesmo da festa da Penha no Rio de Janeiro vocês pode ver.

– Esses já são filhos do português, porque para ele a arma é o varapau que eles gira em torno deles como moinho. Agora como é que você quer que apareça o homem com vara grande na festa da Penha?

– Eles não vão passear com vara, mas eu vi como de repente eles pode aparecer saidos não se sabe de onde e varrer de vara em giro uma festança. Ninguém chega perto.

– Sendo assim, talvez…

– É mesmo – Interveio o sargento Evangelista –  me lembro no Rio do dono de um boteco da ladeira João Homem, que era taco na vara. Certa vez o Onofre da Balainha se implicou com ele e todos começaram a dizer “Óia português, toma tento com esse cabra, óia que ele é preverso! É melhor esperar a ronda!” Qual o quê, de nada adiantou. O português pegou a vara que estava atrás da porta, saiu do boteco e deu cabo dele. Não adiantou o cabra negacear, a vara assoviava, ia por toda parte e na terceira vez que o alcançou, ele já estava tonto. Isto porque o português estava farto de conhecer negaças sabia lidar com elas.

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“Três Sargentos” – Aldo Ney (1985)

José Maria da Rocha, antigo mestre de Terras de Bouro

O concelho de Terras de Bouro, situado em pleno coração do Parque Nacional da Peneda-Gerês e percorrido pelas bacias do Cávado e Homem, é riquíssimo em história, tradições e paisagens deslumbrantes.

José Maria da Rocha, mais conhecido pelo senhor Rocha foi um exímio jogador do pau. Este terrabourense nasceu em 19 de Março de 1929 no lugar do Assento na Freguesia de Cibões. Com apenas 9 anos de idade foi servir como moço de lavoura para a freguesia de Santa Isabel do Monte onde lhe pagavam um salário anual de 300$00. Com 13 anos vai trabalhar para a casa do Feixa, em Vilarinho da Furna, e vê o seu salário anual aumentado para o dobro. Em Vilarinho, as suas principais tarefas eram regar os campos de milho e guardar as cabras na serra. Aos 14 anos decidiu encontrar melhor sorte em Lisboa. Na capital, começou como ajudante de cozinha numa pastelaria de fabrico para revenda. Mais tarde foi trabalhar para a pastelaria Áurea, na rua do Ouro, e a seguir trabalhou na pastelaria Marques na Avenida Almeida Garrett. Foi com colegas seus da cozinha que aprendeu a assinar o seu nome porque na sua infância não havia escola.

Inicia a sua actividade de cozinheiro propriamente dita no Hotel Florida onde permanece até a ida para a tropa. Cumpre o serviço militar na Base Aérea nº1 de Sintra e volta ao Hotel Florida. Volvidos três anos, muda para o Hotel Espadarte em Sesimbra e mais tarde para o Hotel Turismo da Ericeira. Esta itinerância nunca se deveu ao facto de não gostar de trabalhar nestes locais ou de ser preguiçoso, mas à procura de melhor salário. Foi somente em 1951 que obteve os seus primeiros oito dias de férias. O senhor Rocha trabalhou como cozinheiro ainda noutros locais e chegou a viver a aventura da emigração em França durante cerca de sete anos.

Hoje, na reforma ajuda e apoia a sua esposa que devido a um glaucoma praticamente se encontra cega.

O senhor Rocha confidenciou à reportagem do “Geresão” que a reforma de França, com descontos apenas de sete anos, é bem maior do que a reforma portuguesa. “Após 38 anos de trabalho na indústria hoteleira, a pensão de França é mais do dobro que a pensão da hotelaria”.

Afirma com tristeza que “a freguesia de Cibões está envelhecida, as casas dos lavradores estão vazias, as alfaias agrícolas estão paradas e os campos ao abandono. Dantes era gente por todo o lado, agora é uma miséria.” No entanto, considera que há actualmente aspectos positivos “porque temos luz, telefone e estradas.” Insiste em comparar o passado com o presente: “Dantes era tudo cheio de gente. Agora, toda a gente foge. A lavoura não dá quase nada. Uma profissão que vai dando ainda é a de cozinheiro, mas tem que se fugir daqui.”

Foi em Santo António de Missões da Serra que o senhor Rocha aprendeu a jogar o pau com José Pelote e também com o João Quinteiro de Bergaço. Queixa-se da falta de reconhecimento. “Nunca foi feita uma homenagem a qualquer um dos jogadores de pau do nosso concelho e nunca nos deram a conhecer. O João Quinteiro foi para mim o maior jogador do nosso País.”

joserocha

Em Lisboa, na década de 50 o senhor Rocha inscreveu-se no Ateneu Comercial tendo recebido aulas do mestre Domingos Miguel e do contramestre António Antunes Caçador. Frequentou esta escola durante 30 anos. Fez demonstrações no Estádio da Luz, nas festas de Vila Franca de Xira no Pavilhão dos Desportos, e em muitos outros locais.

Actualmente ainda recebe inúmeros convites para fazer demonstrações, mas as pernas já não o ajudam.

O senhor Rocha fez questão de mostrar à reportagem do “Geresão” a sua infindável colecção de varas. São às dezenas. Há varas para todos os gostos. Umas são de lodo, outras de junco e outras de marmeleiro. Parte delas foram feitas pelas suas mãos. “A protecção de metal que as varas têm nos extremos são para não esgaçarem”, explicou o senhor Rocha.

No que concerne ao jogo do pau esclarece que “isto não é um jogo de pau, mas esgrima do pau nacional que já vem do tempo do rei D. Carlos (finais do século XIX e princípios do século XX).”

Foi há 26 anos atrás que criou, na vila de Terras de Bouro, a convite do Presidente da Câmara Municipal, José Araújo, a escola do jogo do pau que veio a funcionar regularmente durante oito anos. Esta escola terminou, apesar do número sempre elevado de alunos, devido ao problema de artroses que começaram a limitar a sua mobilidade. “Porque as voltas que o pau dá por cima no ar, as pernas têm que dar as mesmas voltas por baixo.” As pernas mataram-lhe outra das suas grandes paixões: a caça porque não lhe permitem longas caminhadas pelos montes de Cibões.

“Foram oito anos de professor”, recorda com saudade. Mobilizou muitos jovens terrabourenses para a prática do jogo do pau. No nosso concelho e noutros locais, o senhor Rocha e os seus pupilos fizeram inúmeras exibições. Recorda-se com carinho de todos os seus alunos e destaca o Luís da Souta e o Álvaro do Pereirinha que eram jovens muito empenhados e assíduos.

Jogou o pau com indivíduos de Espinho, Melgaço, Sesimbra e de outras localidades do nosso País e foram muitos os episódios caricatos. Uma vez jogou o pau com um indivíduo chamado Adelino Barroso na vila de Terras de Bouro. Foi num dia de feira, na “Leira do Sousa”, por debaixo do Escola Padre Martins Capela depois desse indivíduo o ter desafiado. O Adelino Barroso atirou-se muito impetuoso e o senhor Rocha foi desviando o seu corpo das varadas. Deixou-o entusiasmar-se e o resultado “foi ter rachado a cabeça ao Adelino Barroso com uma boa varada”.

Uma outra vez estava a jogar o pau com um indivíduo que lhe atirou uma varada, conseguiu desviar-se, mas o outro jogador cortou-lhe o cinto com a pancada.

Muitas vezes chegou a estar cercado por quatro ou cinco homens, mas defendeu-se sempre “porque as pernas ajudavam”.

O senhor Rocha aconselha a nossa juventude a valorizar o que é tradicional e aprender o jogo do pau. “O jogo do pau faz parte da nossa tradição e pode ser usado em legítima defesa. Mas, hoje, não há quem queira aprender a tocar cavaquinho, por exemplo, ou aprender outra coisa qualquer. O que é tradicional, infelizmente, vai morrendo aos poucos.”
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Publicado no jornal o “Geresão” em 20 de Janeiro de 2006.

“As cavalhadas e o jogo de pau no Velodromo de Lisboa”

“O prefessor Domingos Salreu jogando o pau, vestido de campino.”

Ilustração Portuguesa 2ª Série N 23 de 30 de Julho de 1906

Manufactura barata – Diario das Cortes da Nação

Sr. Sarmento – Os ilustres preopinantes tem informado o que há a respeito da província do Minho, eu direi o que sei a respeito da de Traz os Montes. Observei que as feiras nesta província são em demasiado número: em muitas delas as manufacturas, que se vendem por preço mais barato, são cabeças e braços quebrados, e muita bordoada.

“Diario das Cortes da Nação Portugueza” (1822)


EN:  In a discussion about the amount of rural markets/fairs in the north of Portugal, in the Diary of the Courts of Portugal, 1822, Mr. Sarmento complains about the many markets/fairs in the region of Trás-os-Montes also in the north of Portugal. He says that the most common goods and manufacture are broken heads and arms in the many staff brawls that happen there.

Feira dos 26

Conta-se  a história de um jogador de grande talento do Porto, chamado Carvalho, feirante de gado, que na Feira dos 26 em Angeja, perto de Aveiro, conseguiu aguentar-se sozinho contra um grupo que o atacava, até que tropeçou e caiu para o chão, e nessa altura o melhor jogador dos adversários saltou para o seu lado, pronto a defendê-lo, dizendo aos seus companheiros que quem pretendesse bater no valente caído tinha que lutar primeiro consigo.

Romaria Heróica

-JOSÉ MARIA GASPAR in Almanaque Bertrand, 1952

Depois da procissão, que passara num recolhimento impressionante, rompiam as danças, as rifas, os desafios e… arrulhavam os namoros cheios de pó e ilusões — estômago e coração a transbordar de vinho e amor.

Um cantador que aludiu a um namoro… Não se sabe! Talvez. Um miúdo que roubou um púcaro duma tenda. Correrias, fritos, empurrões, “sarrabulho”; e um valente de Presa garante que o ladrão é da Portela “que é terra de ladroeira”. O que foste tu dizer! Um da Portela, que ouvira, dá o tom com uma valente cacetada: Pá… á! E começava então verdadeiramente o arraial… Cruzavam-se cacetes da Presa com os varapaus da Portela. As mulheres insultavam-se fritando, empurravam-se, descompunham-se… enquanto a refrega masculina continuava acesa, movimentada, quase sem palavra, numa cadência trágica de cacetadas, vivas e um ou outro gemido prolongado dum corpo que se estende.

Que poético, meus senhores! Que lírico e bucólico panorama! Dava a impressão de que ficaria tudo raso. Desapareceram tendas, mutilaram-se coretos, evacuou-se o largo. Pelos caminhos convergiam lentamente os ranchos — cabeças atadas… e novas cantigas e novos ditos espirituosos e comentários… e o regresso a casa.

Cansados, exaustos poeirosos, amachucados, aproximam-se das suas casas. Donde vens?, perguntava-se. Venho da festa!, respondia-se. E divertiram-se? Eh! isso é que foi! Bordoada de criar bicho, cacetada a rodos… mas ninguém morreu. E o barbeiro da terra tinha ainda que fazer para muitos dias, a encanar ossos e a dar pontos artificiais.

Perdoem-me a franqueza da confissão: eu fui sempre um apaixonado pelas romarias de Portugal. Naturalmente porque as conheci noutros tempos. Aquilo é que era!

Muitos ainda se lembram, com certeza. As cachopas abalavam de madrugada para a Senhora da Guia, da Saúde, da Mó, para o Senhor da Serra, para Santa Bárb’la… Eram farnéis, sete saias de balão, os sapatos embrulhados debaixo do braço e uma dúzia de jumentos que transportavam, engalanados, as devotas avós de antanho. E a quem perguntava: “Para onde vão?”, respondiam álacres: “Vamos prá festa!”.

Castamente caiada, a capelita branquejava no pico da serrania lá muito longe, muito alto, e os olhos vivos das raparigas encaminhavam-se para lá, no entusiasmo duma cantiga, esperançados num grande milagre de amor, do seu amor.

Quando a nossa fatigada diligência ia apanhar os ranchos, já perto da ermida onde os foguetes trovejavam agradecimentos, eu pedia à minha mãe que me deixasse ir a pé. E a Rosa Celeste, a filha do nosso caseiro, orgulhava-se toda de levar pela mão o menino da Senhora. Arrepiavam-me os pobrezinhos chagosos, epilépticos, barulhentos e eu rezava com o rancho, nos “cruzeiros”, a todos os santos e santas que estão na côrte dos céus “para que nos dêem saúde e aos nossos gadinhos, nos livrem de maus vizinhos e da ira dos inimigos de longe e de ao pé da porta… Amém, Padre-Nosso, Avé-Maria”. Era a avó da Rosa que aplicava a reza, mesmo de cima do burriço, e todos correspondiam recolhidos.

Depois continuava a marcha, cantando em coro, ao desafio, deixando aqui 5 réis, ali um naco de pão, mais adiante uma sede de vinho na sacola, no bornal ou na cabaça dos mendigos intermináveis.

Era já perto da ermida. Tendas de vinho, pão e farturas, barracas de louça, comidas, brinquedos… sei lá! Os meus olhos de 7 anos espetavam-se nos comboios de lata e nos polichinelos barbudos que subiam por uma vara à cata duma fugitiva columbina… Que lindo tudo aquilo! Que saudades!

O pó cortava-se à faca. Dançava-se. Era um calor de rachar. O rancho entrava na capelinha. Todos rezavam e ouviam inflamados sermões de promessas.

Ofereciam-se votos. É vivo ainda um pequeno proprietário dos meus sítios, que uma vez, adoecendo gravemente, prometeu ao Senhor da Serra a sua junta de bois em troca da saúde recuperada. Curou-se e arrependeu-se. Contou o caso à mulher e esta verberou-lhe a precipitação: “— Tu estavas doido, homem! Um dinheirão! Quando o arranjaremos? E está aí a romaria!”. A festa chegou realmente e era de ver o “miraculado”, em lágrimas, confrangido, diante do altar, na ermida: “— Ó Divino Senhor da Serra, perdoai-me os bois, eu estava doido, a minha Maria bem mo disse!” Disse e fê-lo. Não queria ela fazê-lo. Mas ele venceu. A promessa foi cumprida.

Mas… estávamos na capelinha. Ofereciam-se muitos ex-votos. Depois, em seguida à missa enorme, com um enorme sermão, era a merenda debaixo das carvalheiras. Esfaqueavam-se os coelhos tostados e os loiros leitões e os cabritos de espeto. O vinho corria a jorros. O alarido aumentava.

Depois da procissão, que passara num recolhimento impressionante, rompiam as danças, as rifas, os desafios e… arrulhavam os namoros cheios de pó e ilusões — estômago e coração a transbordar de vinho e amor.

Um cantador que aludiu a um namoro… Não se sabe! Talvez. Um miúdo que roubou um púcaro duma tenda. Correrias, fritos, empurrões, “sarrabulho”; e um valente de Presa garante que o ladrão é da Portela “que é terra de ladroeira”. O que foste tu dizer! Um da Portela, que ouvira, dá o tom com uma valente cacetada: Pá… á! E começava então verdadeiramente o arraial… Cruzavam-se cacetes da Presa com os varapaus da Portela. As mulheres insultavam-se fritando, empurravam-se, descompunham-se… enquanto a refrega masculina continuava acesa, movimentada, quase sem palavra, numa cadência trágica de cacetadas, vivas e um ou outro gemido prolongado dum corpo que se estende.

Que poético, meus senhores! Que lírico e bucólico panorama! Dava a impressão de que ficaria tudo raso. Desapareceram tendas, mutilaram-se coretos, evacuou-se o largo. Pelos caminhos convergiam lentamente os ranchos — cabeças atadas… e novas cantigas e novos ditos espirituosos e comentários… e o regresso a casa.

Cansados, exaustos poeirosos, amachucados, aproximam-se das suas casas. Donde vens?, perguntava-se. Venho da festa!, respondia-se. E divertiram-se? Eh! isso é que foi! Bordoada de criar bicho, cacetada a rodos… mas ninguém morreu. E o barbeiro da terra tinha ainda que fazer para muitos dias, a encanar ossos e a dar pontos artificiais.

Mas que romarias, que heróicas romarias do amor antigo! Quando hoje se vai e vem de camioneta às nossas romarias, de cachopas empoadas e quase despidas, de farnéis-dieta e águas medicinais, há que ter saudades das velhas romarias buliçosas do Portugal romeiro.

Voltamos das primeiras romarias deste ano e sentimos, em tudo, que a Humanidade sofre, que o género humano está doente e que muita razão teve o episcopado Português em reprimir certos arraiais, certos divertimentos cujo espectáculo talvez ainda nos deixe saudades, mas cuja oportunidade — não há dúvida — deixou tetricamente de verificar-se. Somos solidários com os sofrimentos alheios. Por outro lado, fiquemos descansados, continua ainda e sempre a romaria eterna do amor, a romaria heróica do amor português — amor de Deus e dos homens — solidário com todos os povos e todos os séculos.

Bendita a romaria heróica dum amor assim!

D. Alvaro – Os viscondes d’Algiao

Padre João Eu sei lá o que ele é ! Um maluco, um doidivanas, que nunca há de tomar juízo  nem caminho! Insigne jogador de pau, pimpão de feiras, etc., etc. Um homem de quarenta anos, viúvo e com filhos, meter-se em partidos contra o irmão ! …  (…)

D. Álvaro (erguendo-se, e num tom mais familiar) — Pois bem ! … Acabemos com estas recapitulações, que me incomodam  Sei que fui um grande extravagante; que malbaratei duas fortunas importantes, e que sempre me valeu o mano D. António! Sei que me educou a filha; que me sustentou o filho em Coimbra por sua livre vontade; que enquanto eu, já com esta idade! — passeava, caçava, jogava o pau pelas feiras, e abria cabeças pelas vielas, meu irmão, não só me não dirigia a mais pequena reprimenda  mas até cuidava no meu bem estar, nas minhas comodidades. Há muito tempo que conclui que sou, ou fui, um doido  um estouvado, um perdulário, e o senhor um bom irmão, homem de siso, generoso, um segundo pai, sem (desgraçadamente!) a autoridade que este titulo traz consigo  Sei tudo isto, repito; e sei também que não sou ingrato, e que o reconhecimento não me sai do coração, mesmo agora que andamos de armas voltadas um contra o outro.

“Os viscondes d’Algiao: comédia” – César de Lacerda (1875)

Visconde de Moreira de Rei – Justiça de Fafe

António Augusto Ferreira de Melo e Carvalho, Visconde de Moreira de Rei, nasceu em Fafe no ano de 1838 e faleceu em Lisboa em 1891. Cavaleiro da Ordem de Cristo, Fidalgo da Casa Real e deputado às Cortes, o Visconde de Moreira do Rei era político influente na sua terra e, por natureza do seu carácter, pessoa pouco dada a receber afrontas.

Narra a lenda que, tendo chegado atrasado a uma das sessões, foi veementemente censurado por outro parlamentar com o título nobiliárquico de marquês, tendo este inclusive usado modos grosseiros ao ponto de lhe chamar “cão tinhoso”. Perante semelhante afronta, o Visconde de Moreira de Rei fingiu ignorar e mostrou-se impávido como se nada tivesse ouvido a seu respeito. Porém, após os trabalhos parlamentares, dirigiu-se ao marquês pedindo-lhe explicações ao que este, em lugar de se desculpar, arremessou-lhe as luvas na cara desafiando-o para um duelo.

Conforme as regras estabelecidas, cabia ao ofendido escolher as armas com que se iriam bater em duelo. Ao contrário do que seria de esperar, o visconde não escolheu espadas nem armas de fogo, optando antes pelos varapaus à boa maneira minhota. Exímio no manejo do varapau, arte marcial que o seu opositor não dominava e certamente até a considerava grosseira, aplicou uma valente sova no marquês e, desse modo, desforrando-se do insulto de que fora vítima.

Perante tão hilariante duelo, o povo não se conteve e gritou:

– Viva a Justiça de Fafe!

ver: “Barão de Espalha Brasas” – Inocêncio Carneiro de Sá

“O Jogo do Pau, ou esgrima lusitana, é uma arte marcial portuguesa, praticada com um único e maior, ela foi introduzida no Rio de Janeiro por imigrantes portugueses no século XIX, muitos desses imigrantes se disseminaram nas maltas de capoeiristas, inserindo essa luta dentro da capoeira. No inicio da era republicana no Brasil, as gangues de capoeiristas foram finalmente banidas do Rio, a Capoeira passaria por processos que a tornariam no é hoje, uma arte marcial como esporte, alem de uma expressão cultural, felizmente não haveria mais lutas sangrentas pelas ruas, mas nesse processo a o uso do jogo do pau no Brasil também praticamente se perdeu, pouquíssimos ainda o conhecem. Na adolescência, meu personagem trabalharia num armazém onde seu patrão, que na verdade é um mestre nesta arte, decide lhe ensiná-la após conhecer o seu caráter e gosto por lutas. Um dia esse garoto cresceria e usaria dois bastões, capazes de se distender e unirem-se numa forma maior, como uma arma que já vi usada pelo do Red Robin, acho.”

by Besouro-Negro

Dançadores e jogadores

António Marcos e companheiros começam a armar de novo a sua roda de dança. É o grupo, que tem mais bonitas raparigas, mais asseadas.

Saias de cor vistosa, apanhadas, para deixarem ver saiote vermelho e curto. Meias bem puxadas; sapatos com grande rosa de fita preta na entrada; colete de cor com atacadores garridos; camisa bem refolhada; roupinhas curtas, e bem abertas; contas de ouro ao pescoço; arrecadas nas orelhas. Na cabeça, lenço branco com grandes vasos e grandes ramos bordados. Numa e noutra, por cima do lenço, pequeno chapéu desabado.

Na roda dos dançadores, quis entrar Joaquim, o criado de Jorge Pinto.

-Lá para fora! bradou António Marcos, de sobrolho carregado.

-Eu já tenho parceira, replicou aquele.

-Mal empregada! Vá dançar onde quiser! Aqui não dança você!

-Então quem manda!

-Mando eu, e mais este marmeleiro. Não dançam aqui homens com mortes às costas!

Joaquim retirou-se furioso, e meio apupado pelos espectadores.

-Venha a viola! disse o Marcos. A isto, rapazes!

Começou a dança. Os pares eram novos, alguns eram namorados, e todos andavam numa festa, que os ditos de fora, e as respostas, de dentro, mais animavam.

-Faz-me berrar essa rebeca, João! Parece que estas ai a morrer!!

-Bravo! Bravo! chamavam os de fora.

A alegria era viva e não disfarçada; e havia talvez meia hora, que não paravam os dançadores.

* * *

-Aquele é o galo, disse Joaquim com ar de mofa. Como governa naquelas galinhas, não quer lá senão frangos.

Marcos caminhou para Joaquim, que tinha ao lado alguns amigos, e perguntou:

-Onde foste buscar o animo, que agora trazes? Ah! Foi aos companheiros? Ora repete lá o que disseste!

-Digo que as mulheres são tuas gali…

Uma bofetada interrompeu o provocador.

Os amigos de Joaquim levantaram os cajados, e enquanto Marcos pegava no seu, que um rapaz lhe estendia, caiu-lhe sobre os ombros uma violenta pancada.

-Façam campo! bradou ele com o pau já em posição, e crescendo para os homens.

A este, um açoite que o tombou, àquele uma pontuada no peito, que lhe fez largar o cajado; e com rápido sarilho foi repelindo os inimigos que batiam em falso.

-Estás a jeito! disse Marcos de repente, estendendo uma pancada de boa vontade, sobre Joaquim, que foi, redondo, ao chão.

Mas aos amigos deste juntaram-se uns, àquele, uniam-se outros, e em pouco tempo se tornou encarniçada a luta, e geral a confusão.

As mulheres pediam, em altas vozes, aos homens, que por diversos títulos lhes pertenciam, que se não metessem na desordem.

Os velhos, com a mão esquerda sobre o chapéu, para que não caísse na carreira, fugiam da batalha.

Os pequenos levantavam gritaria infernal.

-Fujam! Fujam! bradava um ricasso, de chapéu braguês, calção e polaina, e casaca de abas muito curtas, correndo desorientado no meio da desordem.

-É para aqui, sr. Bráz! lhe gritava voz compadecida. Para ai, não!

O sr. Bráz corria sempre! Parou de vez, quando lhe caiu em cima, pancada sem dono, à qual nem o braguês pôde resistir!

-É o António Marcos que já varreu a Senhora das Febres! clamavam as vozes do partido de Holofernes.

-Fujam! Fujam! bradavam os partidários de Marcos. São os homens do sr. Jorge Pinto!

-Pois hoje levam coça mestra! respondeu um mocetão, cuspindo nas mãos para melhor segurar o cajado de carvalho.

A eles, rapazes! a eles!

António ia na frente do seu bando, ágil e destro, varrendo efectivamente quanto achava diante. Ora se abaixava, e cobria a cabeça e ombros, com o pau horizontalmente colocado; ora saltava para trás, ou para os lados; ora ressaltava para a frente, quando o seu adversário, do momento, tinha os braços dormentes, de haver batido no chão, e o castigava então rijamente.

-Homens! gritou o doutor de cima de uma pedra. Tenham lá mão! Está aqui gente sossegada, e estou eu também!!

-Nossa Senhora das Merçês! clamava, em sons de flautim, a mulher do sr. Lourenço.

-Homens! Então? Vocês estão doi…

O doutor não pôde acabar, porque uma onda de fugitivas mulheres, atropelando a numerosa família, o deitou por terra!

-Acudam! Nossa Senhora da Graça!

A onda passou, e o doutor envergonhado da sua pouca fortuna, levantou-se, esfregou um cotovelo, e pôs os beiços em pasmosa saliência.

-É para baixo!! gritou ele animando os que levavam de vencida os amigos de Joaquim.

António Marcos chegou ao pé da igreja, quando dela saia o vigário.

-Que é isto, António? Tu vens fazer desordens à romaria?

-Perdoe, meu padrinho!

E contou em voz alta a origem da luta.


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“Mario: episodios das lutas civis portuguezas de 1820-1834” – Antonio Silva Gaio 1868

«em Basto basto eu»

É opinião, mais ou menos generalizada, que o primitivo Mosteiro de Refojos de Basto provém da alta Idade Média, no que são unânimes os cronistas da Ordem de S. Bento, que o remontam à fase da Reconquista, e quando a luta entre Cristãos e Mouros estava ainda longe de chegar ao fim.


Mosteiro de São Miguel de Refojos de Basto, no Concelho de Cabeceiras de Basto. gravura publicada na revista “O Ocidente” nº 75 de 21 de Janeiro de 1881.

Conta-se, que tendo certo dia os Muçulmanos aproximado-se de modesto cenóbio, com a intenção de o arrasar e matar os religiosos que lá se encontravam, estes se lhe oporem com tal valentia, que eles se viram forçados a retirarem vencidos, sem consumarem os seus propósitos de destruição.

Nesta luta desigual teria tomado parte Frei Hermígio Romarigues, religioso de grande envergadura e força invulgar, que ficou conhecido na tradição pelo nome de Basto, em virtude de na fase mais acesa da refrega, e enquanto brandia o seu grosso pau, ter proferido a seguinte frase: «em Basto basto eu». E daí o nome de Basto dado à estátua dum guerreiro galaico-lusitano, colocada junto à ponte do rio que atravessa a vila, numa ingénua atribuição da sua origem ao valoroso frade de Refojos pela sua heróica coragem revelada na luta contra o herege.