Nota Histórica – Jogo do pau no Ginásio Clube Figueirense no início do séc. XX

Jogo de pau no Ginásio Clube Figueirense
Jornal comemorativo do cinquentenário do Clube (Gimnasio Club Figueirense) – 1945

Do lawn tennis e do criquet não encontramos vestígios da sua prática no Ginásio, no que aos outros jogos diz respeito, apenas encontramos referências à prática da patinagem aquando dos saraus ginásticos e do jogo do pau. Este último, no dizer de J. Andrade, divulgou-se no clube por volta de 1906-1907, tendo como instrutor Albano Cabral de Moura. Contudo, os vestígios desta modalidade, ligada aos jogos tradicionais  portugueses, são bastante pobres. Os únicos factos dignos de nota, segundo o autor acima citado, eram as aulas “que ficaram na recordação dos seus alunos, pelo arrojo e violências empregues […], podendo mesmo, alguns, classificar-se de casos sérios”.

 


Manuel Cid – Distinto mestre de armas e jogador de pau

manuelcid
Manuel Cid – Distinto mestre de armas e jogador de pau. Falecido em Lisboa a 16 de junho de 1902

Manuel Cid, além do seu conhecido trabalho como mestre de armas, ensinava também a esgrima de pau, chegando a realizar assaltos de pau em conjunto com os das outras armas da esgrima em demonstrações publicas, inclusive no estrangeiro. Foi também professor de jogo do pau de Isidoro Correia Gomes, segundo mestre do Ateneu Comercial de Lisboa.


  1. “O Tiro Civil” nº 238 – 1902
  2. “Diário Ilustrado” – 2 de Maio de 1891
  3. “Jogo do pau (Esgrima Nacional)” – António Nunes Caçador, 1963
  4. “Diário Ilustrado” – 29 de Novembro de 1891
    Academia de estudos Livres – todas as segundas quartas e sextas feiras o sr. M. Cid ensina a esgrima do florete, sabre e pau, na academia d’armas.”
  5. “Diário Ilustrado” – 2 de Maio de 1889
    Manuel Cid chegou do estrangeiro, o estimado professor d’armas dos corpos de guarnição de Lisboa (…) O sr. Cid foi a França, por convite particular, assistir a um congresso de esgrimistas. O sr. Manuel Cid viu o que havia de melhor nas escolas francezas de esgrima, civis e militares, tendo occasião de se fazer applaudir nos seus exercicios de sabre, florete, e pau. O Journal da “l’Academie d’Armes” registou os méritos do sr. Cid.
  6. “L’Escrime Française” – 12 Juilliet 1902
    Nous apprenons la mort du maître d’arme portugais Manuel Cid(…) Il etait haut, 1m. 87, brun, grande chevelure et barbiche noire. Bâti en athlète, possédant une force bien travaillée. Très connu ici et très estimé. Chasseur enragé, il était aussi professeur de bâton qu’il maniait avec une vraie connaissance et une supériorité écrasante.

EN: Fencing master Manuel Cid, died in 1902, he used to teach fencing classes alongside jogo do pau, in the “Academia de Estudos Livres” he taught foil, saber and staff fencing, and did public exhibitions of fencing including assaults of jogo do pau, including one in France in 1889.

O Jogo do Pau – Desportos Revista – 1983 (2/4)

artigo de jogo do pau 1983
A técnica do Jogo do Pau exige um extraordinário apuro das qualidades motoras.

Descrição técnica:

A) «TÉCNICA DE BASE» Constituída por:

ATAQUES – Sete ataques de base desferidos aos lados esquerdo e direito do adversário: dois «ENVIEZADOS» (desferidos de cima para baixo),dois «REDONDOS» (paralelos ao chão), dois «ARREPIADOS» (atacam de baixo para cima),uma «PONTA» (PONTUADA ou ESTUCADA) normalmente directa a cara ou ao plexus solar.

Todos estes ataques são feitos aproveitando o comprimento total do pau, e todos eles, salvo a «PONTA» são feitos em «ROTAÇÂO» (aproveitando o balanço da parte mais grossa do pau que é a que bate). Também todos eles podem ser feitos com uma ou com as duas mãos. Neste último caso a distância entre as duas mãos deve ser igual ao tamanho do antebraço do jogador que segura o pau;

DEFESAS – Sete defesas (GUARDAS ou COBERTAS) de base «RIJAS» (aquelas que oferecem resistência às pancadas do adversário) para cada ataque. Estas defesas podem ser feitas directamente sacudindo o pau do atacante ou em rotação varrendo as pancadas, e neste caso são chamadas «VARRIMENTOS» (aquelas em que se opõem às pancadas do atacante outras pancadas em sentido contrário);

SARILHOS – Exercícios provenientes de defesas antigas,que têm por fim aumentar a facilidade no manejo do pau, adquirir coordenação entre os movimentos do pau e das pernas, e ensinar o principiante a bem pisar o terreno.

B) «TÉCNICA AVANÇADA» Constituída essencialmente por:

GUARDAS BRANDAS – Aquelas em que se aproveita a forçada pancada do adversário em favor do nosso contra ataque(muito rápido e de difícil controlo);

GUARDAS SIMULADAS – Aquelas em que se recolhe o pau à pancada do adversário,para esta passar sem ser tomada;

CORTES – Pancadas destinadas a prejudicar activamente o efeito da outra pancada que não foi defendida com uma guarda;

GUARDAS AVANÇADAS – Defesas entrando no terreno do adversário debaixo do ataque daquele (para a execução destas guardas com eficácia é necessário alto nível técnico);

CORTES ANTECIPADOS – Percepção mental do ataque do adversário contra-atacando antecipadamente (exige nível técnico superior, Este tipo de cortes não são usados em combates desportivos visto serem dificilmente controláveis quando executados correctamente).

C) «JOGO TRAÇADO»:

Técnica usada especificamente em distâncias muito curtas em que não há possibilidades de se aproveitar o comprimento total do pau mas pelo contrário, conseguir o máximo de eficácia com um comprimento mínimo de pau.Caracteriza-se essencialmente por:

a) O pau ser seguro a meio com as duas mãos afastadas, usando-se ambas as pontas livres (a fina e amais grossa) indiferentemente para atacar ou defender.

b) Os ataques e as defesas são muito semelhantes e são feitos directamente e não em rotação.

c) As defesas são sempre «RIJAS» e feitas em sentido contrário aos ataques.

De capital importância é a questão do chamado «CONTROLO» do ataque visto ser este jogo praticado até ao momento sem qualquer protecção artificial. Esse «CONTROLO» usa-se, se necessário em treino com praticantes menos avançados, em combate com adversários inferiores ou na competição. E feito encurtando, desviando, retardando ou mesmo não desferindo as pancadas.

Continuação >>

O Varapau – Xanquim Lorenzo Fernandez 1959

O Autor cita Eça de Queiroz que fala no jogo do pau, e refere o seu uso em alguns pontos da Galiza. Descreve as principais características e serventia do varapau — flexibilidade e leveza, apoio de caminhantes, pastores, etc., e ainda arma de luta —. É precisamente este aspecto que o Autor salienta, descrevendo os preliminares do desafio e diferentes fases do jogo ou luta, posição dos jogadores, etc. O jogo do pau serve fins ora desportivos, ora de agressão. Relato vivo de uma luta entre dois portugueses que, «costas com costas», conseguiram pôr em debandada um grande número de feirantes, em Porqueiró (Galiza); de lutas contra lobos; etc. Qualidades essenciais ao bom jogador: agilidade, boa vista, reflexos rápidos, resistência física e serenidade e domínio de nervos. Notando o pouco uso do jogo do pau na Galiza conclui por uma origem portuguesa, introduzido via Vale do Lima.

  • Nota referente ao artigo em: “Bibliografia Analítica de Etnografia Portuguesa.” Benjamim Pereira, 1965.

 

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O Varapau

por Xanquin Lorenzo Fernandez, de Orense, Espanha

Em  “O Comércio do Porto” 13 de Outubro de 1959

No romance de Eça de Queirós, “O crime do Padre Amaro”, encontrei uma frase que me fez lembrar algo já desaparecido nas terras do Sul da provincia de Orense, nas zonas limítrofes das Serras de Laboreiro e do Gerês. Diz esta frase: «Os homens do campo com os seus varapaus passavam para os dourados do sacrário ». Estes varapaus, outrora arma de ajuda, e hoje já esquecidos, usaram-se também nestas terras, e destes quero falar aqui. O varapau é um pau direito, de dois metros de comprimentos, limpo de ramos e de casaca. Um bom varapau, de acordo com a regra clássica que preside à sua escolha, quer-se mais alto do que quem o vai usar, e que «junte pé com ponta». A hipérbole assinala a necessidade de ter muita elasticidade, visto que quanto mais flexível ele for, mais jeitoso é o seu manejo. O varapau melhor e mais procurado é o de madeira de lodo ou lodeiro, bem direito, da mesma grossura em todo o seu comprimento, totalmente seco e com a sua superfície polida, para o que é primeiro raspada com a folha de uma faca ou de uma navalha, e em seguida com um pedaço de madeira dura. No cabo, a sua grossura deverá ser tal que se possa pegar jeitosamente com a mão, e o seu peso pequeno.

Este varapau era o companheiro dos moços rondadores, dos viandentes ao longo dos caminhos, dos pastores no cume das serras… O seu oficio era multíplice: no caminho, era uma ajuda, ora a subir as encostas, ora a desce-las, descansando-se nele o peso do corpo; quando um regato cortava a vereda, saltava-se por cima dele apoiando-se no varapau; o pastor no monte e o feirante na feira carregavam nele o seu gado, e quando era preciso afugentar o lobo , tanto em defesa própria como na do gado que lhe estava confiado.

Mas o varapau não era somente um apoio, sendo também uma arma para luta, e deu lugar a uma interessante forma de esgrima, que por aqui em Portugal era conhecida pelo nome de «jogo do pau», Esta luta tinha a sua técnica e as suas regras, que eram sempre cuidadosamente observadas.

Cumpre esclarecer que se podia «jogar o pau» com fins somente desportivos, mas que não eram poucas as vezes em que isso se fazia para agredir a outros ou para se defender deles.

Para se «jogar o pau», começavam-se pelo desafio: quando uma pessoa queria lutar com outra, fazia com o seu varapau um risco no chão: era o que se chamava «poñel-o risco», nome que se ampliou, equivalendo a valentia; por isso, diz a cantiga:

Santa Baía, vaia vaia,
E Meás é vaselisco;
Os mociños de Facõs
Son os que «poñem o risco».

O aceite do desafio por parte do rival consistia em pisar o risco: começava então a luta.

malhadinhas
«- ó rapazes, para cá deste risco mando eu; para fora, se quereis, mandais vós. Quem perdeu o amor à vida que entre – e Postei-me em posição de varrer.» – A cena de «o Malhadinhas», de Aquilino Riveiro, numa ilustração de Bernardo Marques, onde o uso do varapau é bem evidente.

Para se «jogar o pau», punham-se os lutadores frente a frente, com os respectivos varapaus seguros com as duas mãos pelo cabo, de tal jeito que a vara ficava em posição horizontal, dirigira para a direita do lutador. O jogo consistia em bater no adversário com o pau, e defender-se a tempo dos seus golpes. Quando a luta não era a valer, apenas se fazia como se fosse bater com o pau, mas sem descarregar o golpe, e a habilidade era o que conferia a vitória, embora geralmente se rematasse pelo cansaço de algum dos contendentes.

Contudo, o «jogo do pau» não tinha sempre este carácter desportivo. A luta era por vezes a sério, e rematava com a cabeça aberta de algum dos lutadores.

O «jogo do pau» requer uma série de condições, tanto por parte do jogador como pela do varapau; as deste já foram ditas: elasticidade e pouco peso são as principais. O lutador, pelo seu lado deve ser ágil, ter boa vista, reflexos instantâneos, e uma grande resistência física, assim como um bom domínio dos seus nervos, para se não deixar arrebatar, conservando-se sereno todo o tempo que seja preciso.

Nunca os homens destas terras foram amigos de armas de fogo nem de armas brancas, mas em troca usaram abundantemente os varapaus ou os seus cajados e mocas, mais modestos para derimir as suas divergências. Usaram-se, na verdade, a cardefia e a bisarma, mas tanto uma como a outra são mais ferramentas de trabalho, e somente de jeito ocasional se têm empregado como armas.

Em geral, a arma por excelência era o varapau; o rapaz tinha-se já por moço quando arranjava o seu varapau e ia de ronda com os outros: era uma coisa assim como ser armado cavaleiro. O varapau era o companheiro de todos os momentos, e por isso as romarias, as festas, e por vezes as feiras, rematavam sempre com pancadaria, em lutas entre moços de freguesias diferentes. Detalhe interessante: o varapau somente se largava da mão enquanto o moço estava com a moça na lareira da casa dela; então o pau ficava à porta, para indicar aos outros moços que nada tinham que fazer ali. A este costume responde a cantiga tão conhecida:

A tua porta, miniña,
Hai unha vara delgada;
Se non foras tan bonita,
Non eras tan deseada.

Quando em algum sítio se juntavam gentes de várias freguesias, era quase sempre certo que o ajuntamento se desfaria de jeito violento, pois não é sem vão que nesta terra se tem um tão forte sentido da freguesia. O galego não é de uma aldeia, nem de um concelho, nem de uma província: é de uma freguesia, e a quem não é dela, olha-se quase como a um inimigo. Esta rivalidade paroquial punha-se de manifesto nos aludidos ajuntamentos onde o varapau derimia as divergências.

Outas vezes, eram os moços de uma freguesia contra os que vinham rondar as suas moças, ou o desejo de se vingarem de alguma outra peleja ou qualquer motivo semelhante, que os bons «jogadores de pau» apriveitavam para mostrarem as suas habilidades.

A coisa começava aos berros de: – «Eu, carballeira! A quen me die un pau, doulle un peso!!». Em geral, a luta iniciava-se enfrentando-se por  parelhas, mas em pouco tempo cada qual dava onde lhe calhava, e a peleja perdia toda a organização. Por vezes, ela reduzia-se à luta dos respectivos campeões, enquanto que os respectivos bandos os acirravam para os encorajarem.

O varapau era sem dúvida uma arma eficaz. Bem jogado, punha nas mãos do seu dono grandes vantagens na luta. Afirmam-no bem alguns casos, que deixaram memória entre as gentes destas terras. Eis aqui um sucesso já de fins do século passado, mas  que ouvi narrar não há ainda muitos anos: Passou-se a coisa na feira de Porqueirós, feira de ano, em que se juntavam feirantes de toda a comarca e de fora dela. Os das diferentes freguesias iam com o seu gado e com os seus frutos, fazendo-se uma das melhores feiras da Galiza daquele tempo. Uma vez, ignora-se porquê, começou uma rixa entre os feirantes, e dois portugueses que, vizinhos moradores naquelas terras havia já tempos, acudiram a Porqueirós. A rixa assanhou-se, e chegou como sempre, a hora dos paus. Um dos portugueses, ao ver o perigo, berrou ao seu companheiro: – «Ó irmão! Junta costa com costa!!» –  Postos deste jeito, cada um com o seu varapau, defenderam-se os dois sozinhos dos que os atacavam. A luta, a julgar pela lembrança que deixou, deve ter sido épica. Durante muito tempo, mantiveram-se firmes, a despeito dos muitos atacantes; pouco a pouco, foram-se desfazendo dos adversários; uns, feridos, e outros acobardados, o triunfo quedou-lhes a eles, que, sozinhos, «desfizeram a feira». Tal era a superioridade que lhes dava a sua perícia em «jogar o pau»!

E também se conta de um moço de San Xés, que, de regresso da ronda, foi atacado pelos lobos, e, de costas contra um carvalho, defendeu-se toda a noite com um varapau, até que ao romper do dia a luz afugentou os lobos. E daquele moço de Grou, a quem os de Gaias conseguiram encontrar sozinho num caminho, e soube tão bem jogar o pau, que deu conta de todos. E muitos casos mais, que as gentes lembram, de feitos semelhantes, levados a bom fim com a ajuda do varapau.

No resto da Galiza desconheço tal arma. E assim, parece-me evidente que se trata de um instrumentos de origem portuguesa: o facto do seu emprego presente nas terras raianas, e não no resto da Galiza; o de ele se encontrar, pelo contrário, de uso muito corrente em Portugal; a nacionalidade dos seus mais famosos cultivadores – tenha-se em conta que o caso relatado de Porqueirós é um entre muitos – , bastam para nos mostrar.

E aqui vai um facto curioso: o varapau penetra na Galiza seguindo um velho caminho, o caminho que seguiram, num ou no outro sentido, muitos factos culturais que desde sempre estão em processo de intercâmbio entre Portugal e a Galiza, desde a cerâmica da Penha até ao varapau: o vale do rio Lima, esse rio que, nascido na Galiza, vai morrer em Portugal.

A eficácia dos velhos caminhos históricos continua ainda hoje tão viva como nos tempos que assinalam o começo das nossas respectivas culturas.

 

 

“As duas fiandeiras”

Em “As duas fiandeiras” de Francisco Gomes de Amorim, entre outras cenas em que o jogo do pau é “personagem” ficam aqui um par de excertos que se destacam:

Amores de Carpinteiro

Ana, jovial e chasqueadora, tomara a precaução de não gracejar com ele. Rosa conservava-se grave, falando pouco, rindo raras vezes, e empregando mais o império e fascinação do olhar, que sabia ser auxiliar poderoso, do que as palavras, que podiam tornar-se imprudentes. Joaquim amava já a fiandeira mais nova; porém não se atrevia, diante da outra, a mostrar preferências; e confessava a si próprio que não hesitaria em casar com Rosa, se Ana ali não estivesse.

Bastaram poucos dias para se estabelecer familiaridade e confiança entre os três. As raparigas iam-se tornando queridas de todas as pessoas da terra, não lhes faltando presentes dos lavradores abastados, nem convites para os serões das melhores casas. Os rapazes cruzavam-lhes por diante da porta, com ares de frangãos em frente de celeiro fechado; e os mais ricos desejavam oferecer a Ana Estela a sua mão e as suas juntas de bois; mas faltava-lhes ousadia para tanto. A assiduidade de Joaquim Bento fora logo notada; e não se sabendo a qual das duas ele requestava, mantiveram-se os outros a distância, e na expectativa; porque o carpinteiro tinha o seu tanto de bulhento, e jogava o pau como mestre. Alguns, que afirmavam não lhe ter medo, em vez de se apresentarem como pretendentes às fiandeiras, trataram de namorar Maria Rosmaninha, persuadidos de que assim o puniam de ter a preferência daquelas.

Romaria de Balazar

(1845)

— O primo José não traz pau? Foi esquecimento de todos os dialhos! Para estas festas não se vem de vergastinha.
— Cuidas que a cousa dará de si?
— Boa dúvida! O Bento azedou-se por o Pedro conversar a Rosmaninha. Eles ambos são homens; porém o Joaquim joga melhor. O que vale ao primo de Laundes é não se escaldar tanto. Se a pancadaria começa, é a valer. Toda a rapaziada de Laundes e Torroso está na romaria e acode logo pelo Pedro, contra os de Avelomar.
— Isso é assim, Manuel; mas, pela direita razão, quem a tem é o Pedro; porque 0 Bento não quis a Rosmaninha, segundo me consta.
— É verdade. E eu cá ponho-me ao lado do de Laundes, embora se diga que não defendo os da minha terra.
— Aqui não há terra; há a gente fazer o que é direito. Em chegando ao arraial, compro logo cajado…
— É preciso que os haja lá, à venda.
— Sim?… Empresta cá a tua navalha — pelo seguro… E vai andando devagar; é um instante, enquanto arranjo qualquer vara de carvalho. Verde, trabalha-se depressa; e não é pior para abrir caminho, se for necessário.
— Carvalho, castanho, ou espinheiro. . . por ai há deles em barda. Pega a navalha e avia-te. O Joaquim vem de casaca, e traz pau! Basta ver isso, para se tomar sentido. Aquilo é grimpador, como pimpão de feira! Não lhe quero mal; porém, nunca engracei muito com gente briguenta e amiga de barulhos. Anda depressa, que eu vou indo devagarinho.

Manuel juntou-se ao rancho; e José alfaiate cortou tão gigante varejão, que poderia, em caso de necessidade, servir para verga de vela de catraia; e foi seguindo os outros, ao mesmo tempo que ia descascando e alisando o pau, Joaquim tornara-se casmurro, desde a fonte dos Namorados. Ana e Rosa também não davam palavra. O seu bando reuniu-se ao do Lameiro, não por simpatia, mas por um desses acasos, tantas vezes funestos, que, em vez de afastar, aproxima os indivíduos que se não amam.

Pedro Laundes travou conversação em verso com Maria Rosmaninha. Joaquim bem desejaria ouvi-los, ou interromper-lhes o dialogo, provocando Pedro; porém não se atrevia a fazê-lo na presença das fiandeiras; e bem percebia que já tinha causado a frieza delas, com a questão de ao pé da fonte.

Roía, pois, silenciosamente o seu despeito, quando viu aproximar-se, coxeando e abordoando-se ao grande varapau verde, o mestre José alfaiate.

— Que é isso? Foi cortar pau novo?
—É  verdade; torci o pé; e se não trouxesse a navalha, estava bem arranjado.

Todos se interessaram muito por saber como tinha sido a torcedura, e se lhe doía.

— Dói como todos os demónios. Fui a saltar aquele valado das silvas, adiante da fonte, e vai, senão quando, escorrego, o zás!
— Caiu?
— No lameiro… que… por baixo… entendes?
— No lameiro? Não tem nenhum salpico de lama!
— Sim?… pois ai é que está o mal.
— Gomo?
— Quis equilibrar-me, vou contra as malditas pedras, e fiquei…
— Com 0 pé torcido. — acudiu Manuel Fernandes.
— Exactamente.— tornou o alfaiate, agradecendo-lhe com os olhos o auxilio.
— E custa-lhe muito a andar?— perguntou Ana Estela.
— Hum… nem por isso. Ao principio, sim; cuidei que ficava ali. Mas, depois que cortei 0 pau, já vai passando a dor.

Dizendo isto, esqueceu-se completamente de que estava com o pé torcido, e saltou uma poça, sem auxiliar-se do pau. Só Joaquim Bento fez reparo nesse descuido, e começou a estudar-lhe os movimentos. Dai a minutos, viu-o entregar sorrateiramente a navalha a Manuel do Lameiro.”

“As duas fiandeiras” Francisco Gomes de Amorim, 1881

O Jogo do Pau – Desportos Revista – 1983 (1/4)

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Nuno Russo

Um pouco de história

O Jogo do Pau português também conhecido por «ESGRIMA NACIONAL», é uma arte de luta tipicamente portuguesa em que a arma é um simples pau direito e liso, aproximadamente da altura de um homem, e manejado adequadamente por cada um dos contendores, que com ele procuram, por um lado, atingir o ou os adversários e por outro defender-se dos golpes por estes desferidos.

Esta arte de luta, cuja origem remonta aos primórdios da nossa nacionalidade, teve o seu berço no norte de Portugal, mais concretamente no Minho,onde começou por ser uma técnica de defesa e ataque, própria das gentes e da cultura campesinas. Daí se expandiu para Trás-os-Montes e mais tarde para o Sul, onde também se veio a fixar, principalmente na Estremadura e Ribatejo.

Nestas regiões rurais o pau,varapau ou cajado, fazia (e por vezes ainda faz) parte da indumentária normal do homem do campo, associado essencial-mente às suas deslocações a pé ou a cavalo como companheiro e apoio, e sobretudo como arma elementar para se defender de eventuais agressões de outros homens ou animais. Com ele se resolviam todos os problemas diários que provinham sobretudo de rivalidades entre aldeias, de namoros, desvios de aguas de irrigação, etc. Raras eram as vezes ( sobretudo no norte do País ) que as feiras ou romarias não terminassem com paulada entre moços de freguesias diferentes ou pior ainda se envolvessem em desavenças aldeias inteiras,que se defrontavam em combates sangrentos e até mortais.

Este facto de o povo saber manejar o pau foi uma riqueza que serviu a nossa História não só em lutas internas – na revolta da Maria da Fonte, nas lutas entre liberais e absolutistas – mas também em defesa contra o invasor como aconteceu quando as tropas francesas pretenderam invadir Portugal entrando pelo Minho.

Só no final do século passado o Jogo do Pau se implantou em Lisboa. Aqui, sob condicionalismos muito diferentes dos da província, o «espírito» deste nosso Jogo altera-se. Liberto que está dos imperativos de luta que o acompanhavam nas origens em época e região, vemo-lo agora virado para o aspecto desportivo e ser praticado em Salões e Ginásios. Destes, o primeiro a introduzir a prática do Jogo do Pau como desporto foi o Real Ginásio, hoje Ginásio Clube Português. Esta transformação do Jogo do Pau bélico em Jogo Desportivo iniciada na capital, estendeu-se com o tempo a todas as escolas do norte e sul do Pais.

Mas apesar desta transformação bem como das pequenas diferenças técnicas existentes entre as várias escolas, o Jogo do Pau português continua a manter intacta toda a pureza da sua prática original.

Continuação >>

II Torneio Regional da Zona Sul -Jogo do pau Português – 1987

“A Sibila” Agustina Bessa-Luís

sibilaSubitamente, um redemoinho de desordem ferveu, alastrando logo com um corricar de cachopos que se arrastavam sob as pernas do poviléu, e o escândalo ainda morno, ainda lento, das mulheres que reajustavam na nuca os lenços de algodão e buscavam no poial das portas um degrau seguro para abrigadamente presenciarem. Mas a luta embraveceu, magotes como vagas chocaram-se, confluindo das margens do largo, ouvia-se entre gritos o seco rumor dos paus que embatiam, estalavam, eram lançados longe, caindo sobre as tendas ou os arraiais das louceiras. E, então, numa clareira que se foi desenhando mais vazia, mais circular, destacou-se o pequeno vulto de Francisco Teixeira que avançava, grave e tranquilo, repelindo à sua volta o eriçado dos marmeleiros que combatiam, iam cedendo, recuavam, dispersando-se nas alas da multidão que se agitava, ondulando como um corpo que voga na maré. Havia sangue; os andores tinham parado na ladeira e os anjos choravam, não se atrevendo a abandonar o posto, suados sob as vestes debruadas com pele branca, de coelho, as botas amarelas de duraque muito atufadas na poeira. Sob o pálio, o abade, recolhido, mansamente esperava, entre as opas vermelhas cujas pregas o sol riscara de violeta e as filas de crentes ajoelhados sobre os lenços de bolso. «Então essa guarda?»

“A Sibila” – Agustina Bessa-Luís, 1954.

D. Manuel de Bragança e Vasco Infante da Camara

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Vasco Infante da Câmara 7 anos antes.

Perante uma selecta assistência, os dois jovens príncipes da casa de Bragança, D. Luís e D. Manuel, presidente de ministros, ministro dos Estrangeiros, ministro da América, ministro de Espanha, bispo, conde de Coimbra, marquês de Soveral, conde de Sabrosa, governador civil de Lisboa, Jayme Arthur da Costa Pinto, etc., etc., desenvolveram os 500 alunos desta escola (Escola Académica) diversos exercícios de educação física, em cujas evoluções se distinguiram agradando por completo, principalmente no ultimo número – Jogo do pau –  em que os alunos D. Manuel de Bragança (Lafões) e Vasco Infante da Câmara filho do nosso particular amigo Nuno Infante da Câmara, se mostraram duma perícia e destreza dignas do maior elogio, o primeiro nos ataques, violento, mas correcto, o segundo nos ataques e defesas em que se mostrou inexcedível.
“Tiro e Sport” 31 de Maio de 1907

 

The Walking Staff in length

The walking staff

The staff as a weapon is seen in many martial arts all around the world, but being it such a simple weapon, a variation in its length can affect the way is it used in combat.

The staff in the Portuguese tradition is a walking staff, and a common “tool” in the rural areas, to drive the cattle, walk, etc, Its length emerges naturally from this functions, because, if it was much longer, it wouldn’t be as easy to maneuver when walking, and if it was much shorter, it could help on walking as a walking cane, but would not give support as a Shepherd need from his staff.

In other contexts we can see longer staffs, for example, the campinos from Ribatejo use much longer staffs, but they use it to herd cattle from the horseback, so they naturally need a longer staff.

Campinos
Campinos do Ribatejo with longer staffs for hearding cattle on horseback

Prior to any standardization, the staff of jogo do pau would vary in length, but would always be kept within certain limits, usually longer than a walking cane, and never much taller than a man.

It was however, not a weapon, this staff length, was not choose for it excellence in combat, it emerged naturally, but besides its practical application in other function, it somehow has also characteristics that made it ideal in length for the context in which jogo do pau developed.

Alternative weapons

Staff fencing in Portugal had great relevance at a time when there were no other forms of defence. The policing was minimal, and a man had to defend himself, in rural and remote areas, not in cities where the streets were tighter and this weapon had a smaller application.

note: This unfortunately happened until very recently, late 19th century and even early 20th, when the National Guard was more largely deployed and started to forbid the use of the staff and actually breaking them at farmers markets and other rural events to avoid brawls.

Other alternatives to self defence were not available to the common man, as fire weapons. Pistols were not very common in Portugal even at the time when the revolver was more known in the U.S.A., here it was a rare weapon, that only much later was more wide spread, and became an alternative to the staff, but only at a time when the policing also took care of the safety problem, so it never was really much in use.

The long guns, being more common, were in many cases superior to the walking staff, however, were harder to carry, and would not be as useful in day to day life.

Swords, that are a millennial technology, were also not at the reach of the common rural worker, that is left with a simple walking staff.

In Complement to the Walking staff

Another common implement in use for its other applications other than as a weapon was a small knife.

It was a considerable weapon, when people didn’t use any kind of armor daily, and it was one more reason for the staff to be an essential item because the extra length of the staff is what would avoid conflicts at closer distances, that with everyone potentially having a knife, are much harder to control and potentially more lethal, to both sides.

With a close combat knife fight, at grappling distance, it is not only easier for both fighters to get lethally hurt, but also, it is hard to run away or escape from, while with the staff’s extra distance, there is more of a possibility of finding a way out, or one of the sides to run away if willing to, than in a knife fight. In a situation of self defence, to be able to stop the fight, by evasion, having everyone end safely is a strong benefit in general, not only for the individual, but for the society as a whole, in contrast with knife fights, where both have serious risk of ending up dead.

With that, we have one of the main functions of the staff as a weapon, that is to avoid close combat that regularly ends up in knife fights. This is the reason why practicing at keeping a long fencing distance is a great part of jogo do pau.

The length

The element of distance greatly affects the length of the staff, because it is much easier to keep opponents at distance with a longer weapon than with a shorter one, like a walking cane for example. It is still possible to reach the same goal with a walking cane, but the margin of error is much smaller.

The walking staff used in continuous rotation with the turn of the body

A shorter staff is however, easier to maneuver, because of its lightness, it would however not be chosen, because a longer staff, about the height of a man would really give a distance advantage.

However, up to a limit, because a much longer staff starts to be much harder to maneuver, and the same technique stops to be ineffective in use. This limit is caused not only by the limit of strength of the person using it, but also by the weight of the fencer, because even when used correctly and with the full allocation of body weight, at some point, a much longer staff becomes slower in rotation, and would have to be used in other ways that would not grant the same advantages in speed and power generation than the traditional length employs, so that extra length would not grand advantages, and this is the natural limit to the staff’s upper length in this context.

-Frederico Martins