A lei do pau

A lei do pau.

Notícias Magazine, 21 novembro 1993

É preciso ir à aldeia de Bucos para conhecer um tipo especialíssimo de jogo popular – o jogo do pau. Esgrima característica portuguesa de índole tradicional, que subsiste até aos dias de hoje, é pois, por assim dizer, a contribuição espontânea e original das terras e dos homens de Basto. Sobre eles pesa toda a ancestralidade do mote: Para cá do Marão, mandam os que cá estão!… A lei do pau: o caceteiro sem par… E como pode este jogo ser simples ou nítido ou folclórico ou pitoresto? Insólito, traz-nos ao conhecimento uma cultura e um património de usos e tradições milenares.

Cabeceiras de Basto – A aldeia de Bucos à cabeça –  reflecte, com raivosa persistência, o vigor combativo das suas gentes. Ela é bem a expressão dessa resistência, muitas vezes bem amarga, à decomposição da vida típica e originária. Enterrada entre penedias, guardada por tantos fantasmas, quem terá coragem da suspeitosa reserva face a toda esta paz aldeã?

A serra da Cabreira é perto e é inconfundível. Há pasto e ninguém lá vai, E a aldeia se despovoa. Mas o passado arcaico deixou ali tanto simbolismo perdido, tanta nostalgia, tanta alma penada, que até mesmo a sua autenticidade nos parece amargamente suspeita sempre. Mas exactamente por isso é que o povo, cansado de tantas coisas más, resolveu dar «corpo à própria ideia» de um colectivo – para comunicar-se e agir em comum. E vai de inventar a Associação Desportiva e Cultural de S. João Basptista de bucos, que continua primando pelo jogo do pau.

Seja como for, o certo é que, em Bucos, o jogo do pau, que ainda não está divulgado em escala massiva, assume uma importância de vulto. Permanece uma herética, gigantesca técnica de luta, em que a arma é um simples pau de lódão veguio, direito e liso, da altura aproximada de um homem. E aqui são meia dúzia de adeptos que não encheriam mais que um autocarro. (E dizemo-lo fundados apenas na experiência recente, nomeadamente na dos grupos afins da Guarda, Espinheiro ou Cepães, o de Bucos, inescapavelmente, nos reserva surpresas, ressaltos, novos aspectos de uma realidade dialéctica).

Há na cultura de Basto (onde, diz o povo, «Celorico celou; Mondim meou; Cabeceiras cabeça ficou») uma expressão singular de cultura arcaica em vias de perder-se. E o jogo do pau exibe um extraordinário poder de atracção. Isto nos habilita a dizer que ele não é uma efémera expansão da mocidade, que nele vegeta por um capricho ou fantasia juvenil, mas que dura só enquanto não se apaga o ardor viril dos moços. E a canalha miuda, principalmente, anda deslumbrada!

Mas que se há-de exigir dos praticantes? Braço forte, ritmo certo, pau de lódão adequado, assegura Manuel Urjais, da direcção da modesta Assiciação Desportiva e Cultural S. João Baptista. É que, da antiga arte dos jogadores do pau, nada ficou… umas fotos… umas imagens… umas gravações… um chuço… um chapéu, talvez.

É ele quem diz que hoje não se «varrem feiras» com sachos e a boa vontade não supre a falta de músculo. O praticante só necessita de um pau de lódão, de 1,50 m de comprimento aproximado, habitualmente cortado na lua de Janeiro, para além da tradicional roupa que enverga: a camisa de linho, colete, calça preta e lenço tabaqueiro afirma ele.

As invencíveis fúrias

Manuel Urjais recorda que os habitantes de Bucos e de Cavez eram considerados os mais bravos: varriam largos inteiros. Verdadeiramente, aqu, a violência latente entre comunidades vizinhas explodia em batalhas de varapaus que faziam varrer num ápice a multidão de um arraial, conforme bem nos relata Camilo. Em décadas mais recentes, foi o futebol a oportunidade para vários ajustes de contas entre comunidades vizinhas que se viam incapazes de um jogo entre si de outra forma que não fosse à pancadaria. E vão longe, muito longe já, esses radiosos tempos em que os montes baldios de Bucos, que iam até Montalegre, eram usados para os pastos. Hoje, na aldeia só há meia dúzia de rebanhos.

Mas este zelo está sempre desperto? O jogo do pau é mais do que uma moda, mais do que um mito, mais do que um ídolo de papelão. Ainda hoje é uma arte activamente mantida, conservada, apesar de alguns riscos rudimentares. Resultado: ligamentos rompidos, canelas com papos, cabeças rachadas, joelhos doridos e desgaste excessivo. É um jogo que não exige dos seus praticante nem muita habilidade nem dotes de um superatleta.

Aparentemente apoderou-se da juventude. Pela simples razão que existe em Bucos uma escola onde se ensinam, de maneira mais imperiosa, as técnicas principais do jogo, e inclusive, as técnicas reputadas de secundárias, ou até inúteis, que tomam uma importância fundamental.

Quem se desloca a Bucos, verifica que hoje, os filhos são jogadores do pau, os pais foram jogadores, os avós também. A ligação ligeira de alguns e a paixão sectarista de outros têm-lhos permitido ser uma colectividade privilegiada que proclama a sua afiliação em tradições ancestrais. A vasta audiência e o retumbante êxito nos últimos tempos das suas extraordinárias e audaciosas performances nas festas e romarias no-lo confirma.

Num curto período que vem de 1980 até hoje, o Grupo de Jogo do Pau de Bucos possui um estilo uniforme. Existe também um interdito, e compreende-se: as mulheres não têm voz na colectividade. Isto frito de um hábito que não deixou para trás o modelo patriarcal. De sua primeira fase à última, a colectividade domina as circunstâncias e sabe de antemão qual a sua cor, qual o seu ritmo. Tudo foi difícil, no principio.

A associação Desportiva e Cultural de S. João Baptista conta com duzentos adeptos e simpatizantes, certa repercussão internacional, algum desassossego e não tem descurado a formação, apostando nos últimos anos, na iniciação ao jogo do pau dos mais novos (a partir dos seis anos de idade). E a obra é fecunda. Resulta pois, que a colectividade tem sólidos alicerces a sustentá-la, faltando-lhe apenas uma sede. É este o objectivo que se segue.

Hoje, e á sua cabeça, coloca-se um homem daqueles que as aldeias, mesmo mais bem fadadas, só excepcionalmente e de longos em longos tempos, têm a sorte de produzir – Orides Golçalves de Oliveira. Ele é o coração da restauração do jogo do pau em Bucos. durante largos anos, cumpriu a tradição da família. Foi mestre dessa «arte», presidente da Junta de Freguesia e ocupou numerosos cargos na direcção da colectividade. Mas, mais do que tudo isto, um motivo há que o torna venerável no meio associativo: ele sabe todos os volteios rápidos, ataques e paradas vertiginosas e maneja o pau como se fosse parte do próprio corpo. hoje, assistido pelo seu filho Manuel Orides, continua dando «canseira» à garotada.

Para o presidente da Associação D. S. S. J. Bucos, o jogo do pau exige destreza e parceiros de alta resistência. É condição «sine qua non», nota Orides Oliveira, que o praticante não se revele desastrado e pouco hábil: «Pois é! Qualquer demonstração à toa, coisa que dura um quarto de horam leva horas a ser preparado», explica. «Há que repetir cada técnica uma porção de vezes. Vários ensaios, vários a valer, e vale tudo. Para os miúdos é um quebra-cabeças».

«A aprendizagem do jogo é difícil», diz ainda Orides de Oliveira. Por isso, o aluno nada mais faz do que ir interiorizando as técnicas, a mestria, se não de um modo livre pelo menos de um modo expresso. Antes de mais, uma coisa é certa: já não se pretende «varrer feiras», nem «ajustes de contas», mas sim dominar uma técnica, educar a mente e o corpo, desenvolver capacidades de decisão e rapidez de reflexos.

«antifamente – Explica Orides Oliveira – as questões e as questiúnculas surgidas (e formam um longo e doloroso rosário) assentavam em rivalidades de vizinhos e ambições de hegemonia, lutas de famílias e ressentimentos. Na verdade, as oposições e rivalidades entre as gentes de aldeias próximas eram norma, por razões mais ou menos graves, por vezes insignificantes: mulheres, águas, cães, etc., etc.»

Orides Oliveira é do número dos que pensa que «a dificuldade não é fazer melhor, é fazer bem» – e por isso fala sobre o que outros fazem, sabendo como é difícil fazer alguma coisa. Mas silenciosamente, enquanto os outros falam, ele trabalha…

Os mestres jogadores

A história do jogo do pau em Bucos, tão calada no seu segredo, é sobretudo carregada de recordações e imagens aprendidas. Decididamente uma escola poderosíssima. O presidente da Associação D. C. S. J. B. Bucos sabe só que «mestre» Calado, do vizinho concelho de Vieira do Minho, iniciou muitos jovens de Bucos no manejo do pau. E que Adelino Barroso continuou a tarefa já iniciada, transformando muitos rapazes em hábeis jogadores. Posteriormente, Ernesto dos Santos, que aprendera com o «mestre» Calado os alicerces da «escola» de bucos ensinando essa arte que poderá datar de séculos ou de milénios.

Pouco tempo depois levantar-se-ia, porém, uma nova geração de novas gentes. E, á sua cabeça, colocar-se-ia um mestre extraordinário: Domingos Calado (filho de «mestre» Calado). ele também ensinou, sempre obediente a um propósito de autenticidade, cobrando, então 10$00 por lição individual e 300$00 por 30 lições. Com a sua morte, o jogo do pau quase acabou «porque não houve mais ninguém que assumisse a direcção das aulas»,diz Orides Oliveira.

Todavia, hoje, o jogo do pau é, na sua essência, uma actividade recreativa em que, de acordo com as regras, nem se ganha nem se perde. É mais uma forma de canalizar o ócio. Para uns, é fonte de prazer diferente, para outros, pode chegar a transformar-se numa eficiente ginástica aeróbica. Aliás, jogar o pau queima muitas calorias: desenvolve os músculos e a resistência.

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=6Cghnc7gfLg?feature=oembed&w=500&h=374]

­Demonstração tradicional de jogo livre.
Numa demonstração tradicional, não há a preocupação de recriar um momento histórico (a não ser talvez pela utilização de roupa mais tradicional), há apenas a intenção de demonstrar a arte de combate como ela é praticada tradicionalmente.

Como as armas utilizadas são reais, de madeira sólida, e as pancadas são, como podemos ver no vídeo, bastante fortes e que claramente causariam graves danos caso caíssem no corpo de algum dos jogadores, como pode funcionar então esta demonstração de outra forma que não seja de uma coreografia bastante bem ensaiada para não haverem acidentes?

Ora se fosse uma coreográfica, com os movimentos pré definidos e ensaiados, poderiam até estar a ser utilizadas as técnicas do jogo do pau tradicional, mas não ser jogo livre. O que faz com que seja jogo livre, e jogo do pau como é praticado tradicionalmente, é o facto de que os movimentos não são planeados, as pancadas são fortes e certeiras, para bater e não para o ar.

Mas se assim é, como é possível os praticantes, na demonstração, não se magoarem gravemente na maior parte das demonstrações?

É possível, porque, apesar de as pancadas não serem controladas, serem feitas para bater e direcionadas para o corpo, não se trata de um combate real, em que os nervos estão ao rubro, mas sim de um treino/demonstração, em que os jogadores testam as suas capacidades. Este treino apresenta alguns riscos, sem duvida, pois se falha uma defesa ou há uma medição errada de distâncias, uma pancada pode cair num jogador. Pois mesmo que o atacante se aperceba da falha do jogador que defende, um ataque é muito dificilmente parado, especialmente se já for na sua fase final.

Mas então não há tentativa de enganar o adversário como num combate real? As pancadas são todas óbvias e claras? é que neste vídeo os jogadores parecem estar-se a medir um ao outro, e por vezes parece que estão se a estudar, a ver quem ataca primeiro e se se conseguem enganar um ao outro, isso é teatro?

Não é teatro, é até possível fazer alguns enganos e fintas. Temos que ter em consideração que os jogadores se conhecem e sabem a capacidade uns dos outros, se fosse um mestre contra um iniciado, o mestre poderia bater no iniciado na primeira pancada, mas num treino não o faz, ataca mais devagar, de forma a que seja possível ao iniciado defender, aprender e ir melhorando,  com ataques sinceros e claros para não haver acidentes. No entanto, conforme a mestria dos jogadores vai subindo, num combate entre praticantes de alto nível, não aumenta só a velocidade das pancadas, mas também passam a ser possíveis mais fintas e enganos, e uma tensão e intensidade superior, mais características de um combate real. O risco aumenta, mas como os jogadores se conhecem e tem confiança nas suas capacidades, este tipo de treino e demonstração, é possível de ser feito em relativa segurança, não sendo combate real, já se aproxima mais um pouco. Sendo que a certa altura, com jogadores de alto nível a diferença está em levarem as suas capacidades ao extremo, para, em combate real, realmente baterem no adversário.

Uma demonstração entre iniciados, será bastante mais aborrecida, lenta e previsível do que uma entre mestres ou praticantes de alto nível, por isso temos várias descrições de demonstrações em que certos indivíduos eram aplaudidos de pé pelo seu bravo combate, mesmo sem nenhum dos dois ter levado alguma pancada, o elevado nível de ambos os jogadores é óbvio na sua demonstração, mesmo para espetadores não praticantes.

Mas nas demonstrações de jogo do pau, os jogadores ficam a distribuir pancadas durante muito tempo, mais de 10 defesas e contra ataques por vezes, quase parece como num filme, um combate real não seria provavelmente vais rápido, uma ou duas pancadas e um dos lutadores estaria no chão?

Um combate real poderia sim acabar muito rapidamente, até logo na primeira pancada, no entanto, nestas demonstrações como já referi, a intensidade é reduzida, a um ponto em que ambos os jogadores possam treinar em segurança, em que sintam confiança nas suas defesas, por isso pode haver mais trocas de pancadas.

Mas se o jogo do pau é tão eficaz, não deveria haver um golpe que acabasse com o combate?

Não existem golpes infalíveis, pois todos os ataques tem uma defesa, um jogador vence quando encontra um desequilibro no adversário, ou por ter uma técnica superior, ou seja, mais bem treinada, ou simplesmente o adversário cometa um erro. Mas se ambos não cometerem erros e combaterem de forma ideal, nenhum será atingido. Porém, ninguém é perfeito, pelo quem, no calor do combate, a uma velocidade limite, todos podem errar, e só com treino se pode consolidar a técnica para que tal aconteça menos vezes, e se conseguir até criar aberturas e oportunidades de atacar o adversário.

Uma coisa que parece é que as pancadas não são realmente para bater no corpo, pois os jogadores estão muito longe um do outro, não é isso também que permite este treino em segurança?

A estas duas questões, “As pancadas são para o corpo?” e “A distância permite segurança?” a resposta é sim, mas vamos ver mais de perto o que quero dizer com isto. Embora por vezes pareça que as pancadas não chegariam ao outro jogador, a verdade é que há sempre deslocamento, por isso, quando o individuo que ataca avança, o que defende recua, e está sempre presente a gestão da distância pelas duas partes, não estando nunca os dois parados, a uma distancia segura a bater apenas com os paus no ar. Este recuar permite manter a distancia e, respondendo à segunda questão, manter-se seguro. Porém, este distanciamento, não é combater atirando ataques para o ar for a do alcance, o que estaria errado, mas sim, atacando para o corpo, sendo da iniciativa de quem está a ser atacado, de recuar e manter a distância, isto faz parte da defesa, sendo o ataque para o corpo, meramente recuar, é uma defesa eficaz, mesmo que não haja embate de varas.
Nas palavras de Frederico Hopffer:
“Dar todo o comprimento às pancadas é indispensável a fim de  que o discípulo não fique iludido, o que pouca  importância teria quando joga com o mestre, porque esse encurta, desvia, retarda, etc., as pancadas, mas quando jogar com qualquer condiscípulo ou adversário, não lhe será  fácil encontrar  quem lhe faça o mesmo.” – Frederico Hopffer, “Duas palavras sobre o jogo do pau” 1924

Romaria em Santa Marta, Penafiel.

Uima vez na estrada e em regresso para Penafiel encontramos no caminho a freguesia de SANTA MARTA, onde no dia 29 de julho se faz uma concorrida romaria, a que por ser muito perto da cidade vai de obrigação todo o bom penafidelense. Na véspera há quase sempre, de dia, uma insignificante feira de cavalos, e á noite um vistoso fogo de artificio amenizado nos intervalos pelas harmonias da musica de Vila Boa ou de outra qualquer, quando não é de duas filarmónicas, que á compita rivalizam primeiro do alto dos coretos, e depois acabam por se desfazerem mutuamente os instrumentos nos respectivos costados músicos. No dia, á tarde, sai uma procissão com os altos andores engalanados, e o arraial, sob a formosa devesa dos carvalhos, adquire com o vinho e com a alegria expansiva deste bom povo o seu maximum de intensidade. Há uma vez ou outra corrida de bois mansos por homens bravos, quando não são os homens que entre si manejam o varapau clássico e o marmeleiro tira-duvidas, a fim de resolverem uma questão de ciúmes ou de primazia nos descantes.

“O Minho Pittoresco” – José Augusto Vieira – 1887
p. 539

Vinho Tinto – O Malhadinhas

O Malhadinhas – Vinho Regional Beiras –
Cooperativa Agrícola do Távora

“Nos caminhos e com os amigos
que são muitos, aprende a lidar
com a navalha e com o pau.
Avança pelo tempo, entre voltas
a Aveiro, joga ao pau com um
brutamontes, encantando uma
cachopa que, por amor a outra,
prima direita ajuramentada, deixa
ficar com o coraçãozinho em brasa.”

É na senda da qualidade, que temos o prazer de apresentar um dos ‘filhos mais novos’ das nossas terras. Reflectindo o mesmo rigor, a mesma raça, a mesma jovialidade, eis que surge o ‘Malhadinhas’, pleno de frescura, ansioso por demonstrar que, a curto prazo, atingirá o patamar mais elevado nos vinhos regionais de alta qualidade.

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=E8wgGP_eBq8?feature=oembed&w=500&h=281]

-O filme mostra jogadores a confrontarem-se a varapau. Estão presentes várias formas, combate um contra um, um contra dois, um contra três, e finalmente, um contra um grupo.

-The film shows a contest played with stout poles. Various forms are presented: single combat (between two opponents), one against two, one against three, and finally one against a group of adversaries.

Es werden verschiedene Variationen einer Kampfspielart mit Stöcken dargestellt: Zweikampf (Paarkampf), einer gegen zwei, einer gegen drei und schließlich ein Spieler gegen eine Gruppe von Gegenspielern.

E vendo eu que nesta diligência de encomendar as coisas à custódia das letras — conservadoras de todas as obras — a Nação Portuguesa é tão descuidada de si quão pronta e diligente em os feitos que lhe competem por milícia, e que mais se preza de fazer que dizer.

João de Barros – 1553

Contra os caceteiros

Os caceteiros, eram homens pagos para bater noutros por motivos políticos. Não eram no entanto, guerreiros, como os clássicos mercenários, que davam a vida na batalha, mas cobardes, que a troco de dinheiro batiam em gente geralmente indefesa, com o objectivo de causar terror e calar os opositores de quem lhes pagava.

O caceteiro e o jogo do pau nada têm a ver, pois nunca se conta historia de um caceteiro a lutar bem com a o seu cacete, pois bater em alguém desarmado nada custa, não requer arte, e o jogador de pau, tem sempre um adversário à altura, com quem se debate de igual para igual, ou mesmo contra vários adversários.“A honra exigia um combate frontal, de homens que se olhavam e mediam nos olhos”

Várias são as histórias na literatura que nos contam a honra do lutador de pau, que não ataca quem não trás vara, que defende o seu próprio adversário quando este mostra valor, por isso, vamos aqui defender os valores do “puxador” português, contrastando-o com a cobardia de alguém que simplesmente bate com um cacete.

E para que tal não se perca da memória, e que se continue a praticar o jogo do pau como arte de combate, e não de cacetada, fica aqui uma antiga mas boa explicação do que é o caceteiro.

image 
“Caceteiros miguelistas a confrontarem homens desarmados” 

“Digam lá o que quiserem políticos, e casuístas, que é tudo quase a mesma raça, escrevam quanto lhe lembrar os jornalistas, e os que o não são, ralhem muito os que perdem, que são poucos, com as novas tendências sociais, e queixem-se os que lucram, que são todos, do pouco que se conquista polegada a polegada nesta santa cruzada do progressivo melhoramento social, a verdade é que a civilização caminha incessantemente, e não há fechar-lhe as portas; se lhas fecham, faz pé atrás  e arromba-as! 

Pois bem: se isto assim é, a geração que nos suceder há de ignorar a significação de muitos termos, que aliás hoje são entre nós vulgares, e trivialissimos. É necessário deixar-lhos explicados com bastante clareza para auxilio dos futuros cronistas, e dos Santas Rosas de Viterbo, que a providencia lá tem no seu grande reservatório para compiladores de glossários de palavras antiquadas.
(…)

É o que há-de acontecer com a palavra caceteiro, se nos não mente a confiança que temos no bom senso português  e na constante, e severa aplicação dos bons princípios  assim haja quem os aplique, e quem lhes possa sofrer a aplicação!

Com efeito ou quanto se nos tem dito a respeito de progresso, e civilização  são refinadas mentiras, ou há-de chegar um tempo, e não muito distante em que não seja possível compreender como alguém se lembrou de introduzir uma ideia pelo método da maceração da carne, da fractura dos ossos, ou pelas fendas abertas no crânio por uma bem puxada bordoada de cacete! 

Se escrevermos a historia do nosso tempo, e contarmos, como é de razão, que houve um período em que a justiça dos princípios se provava à bordoada, que aos espíritos  que a não compreendiam se lhes ajudava o engenho com uma boa sova de pau, que o pensamento imanifestado, e mesmo oculto, e apenas imaginado atraia sobre a vitima a correcção daquele grande silogismo de carvalho, talvez não queiram acreditar-nos!

Pois filosofem como quiserem os críticos futuros; o caso foi verdadeiro, e por vergonha nossa passou-se nesta terra portuguesa no século décimo nono!

Porém a incredulidade, que a narração de tais sucessos deve produzir, aumentara quando a história acrescentar, que pelas mesmas mãos em nome de diversas causas se produziram os mesmos efeitos! Caceteiro chegou a ser oficio como aguadeiro, barbeiro etc.

O caceteiro não tem opinião politica: é um homem corrompido, e devasso, sedento de ouro, e de licença, que espreita nos olhos de quem pôde conceder-lhe uma destas coisas ou ambas o sinal de extermínio  que ele sabe adivinhar com um instinto prodigioso. Que reine o sr. D. Miguel, ou a filha do sr D. Pedro, que o governo seja absoluto, ou representativo, que o sistema governamental seja rigoroso, ou indulgente, que os ministros sejam honrados, ou prevaricadores,  o caceteiro está pronto a castigar a opinião vencida, a atacar cobardemente o desgraçado, a tirar-lhe mesmo a vida, se tanto for necessário! 

A causa, que sucumbe, pôde contar o caceteiro no numero dos seus inimigos, mas o mesmo, o mesmíssimo homem com o entusiasmo do partido abandonado ainda quente da vespera, porém com o braço vigoroso de actualidade  e com a cabeça fervente dos santos princípios, que se incutem a pau.

Crê ou morre, diziam os turcos aos cristãos, mas se as meias luas ficavam humilhadas diante do sinal da redenção quem viu o soldado turco voltar a Fez, entrar na mesquita, degolar os crentes, ou pôr-lhes o alfange aos peitos para que adorassem o Crucificado? Ninguém.

Pois isto, que os turcos não faziam, fazemo-lo nós, profetas da civilização  bárbaros de nova, e danadissima espécie!

E louvado seja Deus, neste negocio ninguém pôde dizer a seu irmão racca: todos os partidos tem culpas no cartório, e grandes, enormíssimas.

Nunca apetecemos poder de nenhuma espécie  mas se o tivéssemos cobiçado pleno, forte, e sem limites, seria para enforcar um caceteiro em cada terra onde os houvesse, como o marquês de Pombal fez aos ladrões entre as ruínas do celebrado terremoto.

– Em quanto for possível espancar um homem, porque a combinação das suas ideias, dos seus interesses mesmo o dirigiu neste ou naquele sentido politico, o grito de viva a liberdade é uma solene mentira, uma destas burlas indecentes, que se podem fazer a um homem mas que a uma nação nunca se fazem impunemente.

E o mais é que ninguém tirou ainda até hoje proveito de semelhante sistema; pelo contrario; governo, que tolerou os cacetes, que imaginou inspirar confiança, estabelecer o credito, e firmar a ordem a pau  enganou-se, e caiu miseravelmente: autoridade que os não castigou, incorreu na indignação publica, particular, que os incitou, ou premiou, tarde ou cedo veio a ser vitima deles.

Mas digamo-lo também para consolação dos verdadeiros crentes, dos que acreditam de boa fé na força da sã, e inconcussa doutrina da liberdade, e da ordem, em Portugal todos os homens bem educados detestam os caceteiros, e Lisboa, estamos em que já não os suportaria nem assalariados nem oficiosos; se pudesse ainda suporta-los, se tantos anos de educação liberal não tem produzido ao menos aquele resultado, então…. então que?

Cuidavam que desesperávamos da possibilidade pratica dos bons princípios  Enganam-se, desesperariamos dos homens, e não teríamos menor razão para lhes applicar a exclamação, que o servilismo do senado arrancou ao próprio Tibério  homines ad servitutem paratos.”
__________________________
“Roberto Valença – Romance” António Augusto Teixeira de Vasconcelos (1848)