Visconde de Moreira de Rei – Justiça de Fafe

António Augusto Ferreira de Melo e Carvalho, Visconde de Moreira de Rei, nasceu em Fafe no ano de 1838 e faleceu em Lisboa em 1891. Cavaleiro da Ordem de Cristo, Fidalgo da Casa Real e deputado às Cortes, o Visconde de Moreira do Rei era político influente na sua terra e, por natureza do seu carácter, pessoa pouco dada a receber afrontas.

Narra a lenda que, tendo chegado atrasado a uma das sessões, foi veementemente censurado por outro parlamentar com o título nobiliárquico de marquês, tendo este inclusive usado modos grosseiros ao ponto de lhe chamar “cão tinhoso”. Perante semelhante afronta, o Visconde de Moreira de Rei fingiu ignorar e mostrou-se impávido como se nada tivesse ouvido a seu respeito. Porém, após os trabalhos parlamentares, dirigiu-se ao marquês pedindo-lhe explicações ao que este, em lugar de se desculpar, arremessou-lhe as luvas na cara desafiando-o para um duelo.

Conforme as regras estabelecidas, cabia ao ofendido escolher as armas com que se iriam bater em duelo. Ao contrário do que seria de esperar, o visconde não escolheu espadas nem armas de fogo, optando antes pelos varapaus à boa maneira minhota. Exímio no manejo do varapau, arte marcial que o seu opositor não dominava e certamente até a considerava grosseira, aplicou uma valente sova no marquês e, desse modo, desforrando-se do insulto de que fora vítima.

Perante tão hilariante duelo, o povo não se conteve e gritou:

– Viva a Justiça de Fafe!

ver: “Barão de Espalha Brasas” – Inocêncio Carneiro de Sá

«em Basto basto eu»

É opinião, mais ou menos generalizada, que o primitivo Mosteiro de Refojos de Basto provém da alta Idade Média, no que são unânimes os cronistas da Ordem de S. Bento, que o remontam à fase da Reconquista, e quando a luta entre Cristãos e Mouros estava ainda longe de chegar ao fim.


Mosteiro de São Miguel de Refojos de Basto, no Concelho de Cabeceiras de Basto. gravura publicada na revista “O Ocidente” nº 75 de 21 de Janeiro de 1881.

Conta-se, que tendo certo dia os Muçulmanos aproximado-se de modesto cenóbio, com a intenção de o arrasar e matar os religiosos que lá se encontravam, estes se lhe oporem com tal valentia, que eles se viram forçados a retirarem vencidos, sem consumarem os seus propósitos de destruição.

Nesta luta desigual teria tomado parte Frei Hermígio Romarigues, religioso de grande envergadura e força invulgar, que ficou conhecido na tradição pelo nome de Basto, em virtude de na fase mais acesa da refrega, e enquanto brandia o seu grosso pau, ter proferido a seguinte frase: «em Basto basto eu». E daí o nome de Basto dado à estátua dum guerreiro galaico-lusitano, colocada junto à ponte do rio que atravessa a vila, numa ingénua atribuição da sua origem ao valoroso frade de Refojos pela sua heróica coragem revelada na luta contra o herege.

Alguns apontamentos da História do jogo do pau no Porto

Num livro da década de 40 “Arnaldo Leite, querendo criticar os conterrâneos do seu tempo por se considerarem desportistas quando só cuidavam de assistir aos jogos do seu clube e a discutir futebol, afirmava que(…) já no Porto de 1900 se verificava a prática da natação, da esgrima, da ginástica, do jogo do pau, do remo, do ciclismo, etc.” *1

Praticantes conhecidos temos João Quinteiro – Fundador do Centro do Jogo do Pau do Norte, considerado por alguns, o maior jogador do nosso País da sua altura.

“Na cidade do Porto, onde o «mestre» João Quinteiro fundou o «Centro do Jogo do Pau do Norte» e formou um grupo de jogadores com quem seguidamente percorreu as províncias do Minho e Douro, disputando assaltos de competição.” *2

“Nunca foi feita uma homenagem a qualquer um dos jogadores de pau do nosso concelho e nunca nos deram a conhecer. O João Quinteiro foi para mim o maior jogador do nosso País.” *3

O Carvalho, que pela sua bravura, inspirou honra no coração dos seus próprios adversários.

“Um grande jogador do Porto, o Carvalho, feirante de gado, que na «feira dos 26» em Angeja, perto de Aveiro, depois de se ter aguentado sozinho contra todos os que ali se encontravam coligados, tropeçou e caiu ao chão; então o mais forte dos seus adversários saltou para cima dele em sua defesa, intimando os demais a não tocarem no valente, sob pena de terem de se haver com ele” *2

Um praticante de renome foi “António Nicolau de Almeida nasceu no ano de 1873 tendo falecido em 1948. Foi o fundador e o primeiro presidente do Futebol Clube do Porto.
Junto com o seu pai, era sócio de uma empresa exportadora de Vinho do Porto e assumido «sports-man», praticante do portuguesíssimo jogo do pau (no velo Clube do Porto), do remo e da natação.”

Também no Orfeão Universitário do Porto se praticou o jogo do pau, tradição que se tentou recuperar nos anos 80, mas que infelizmente resta agora em uma simples memória, como um grupo desactivado. *4

Vila Nova de Gaia não ficou atrás e criou também fama no jogo do pau, em particular sabemos do Clube de Mafamude em que “Francisco Pereira é o Mestre Beirão, mestre na antiga fábrica de cerâmica do Carvalhido: é um homem possante, de uma boa constituição física, é um dos mentores e mestre do Jogo do Pau (Francisco Pereira foi já por si, aluno de outro mestre do Porto, o Mestre António Pereira Penela). É secundado por Armindo Cabreiro e o Neca Salsa ambos do lugar do Agueiro, em Vila Nova de Gaia. Também, António Carmo, policia sinaleiro na cidade do Porto, Mário Cruz de Cravel e Belmiro Ferreira, tipógrafo, morador da Rasa de Baixo.

Deste modo, e graças ao trabalho destes e de outros homens, em Setembro de 1931 é criado um novo clube em Vila Nova de Gaia. Tinha então nascido o Ginásio Clube de Mafamude, clube vocacionado para a prática e ensino do Jogo do Pau.

Com o tempo este grupo de jogadores do pau foi-se enraizando no local, as demonstrações desta arte de defesa pessoal foram-se sucedendo, os diversos locais por onde estes praticantes do Jogo do Pau vão passando e se exibindo, deixando os espectadores com vontade de praticarem esta arte, e encantados com a beleza e destreza deste jogo.

Foi tal a fama destes jogadores do Pau que por intermédio do diplomata português, Sr. Mário Duarte, que os jogadores do pau do Ginásio Clube de Mafamude tiveram a honra de serem chamados a deslocarem-se a cidade de La Guardia na festa de inauguração do campo de futebol, onde teve lugar um jogo de futebol entre as equipas do Celta de Vigo e o Real Espanhol de Barcelona, jogo precedido de uma exibição do Jogo do Pau.” *5

Este grupo continuou activo a fazer demonstrações pelo menos até 2006.

Não só na arte marcial do varapau o Porto fez história, também na literatura, grandes escritores portuenses utilizaram esta arte de combate que fazia parte da sua cultura, para enriquecer as suas obras, como por exemplo Arnaldo Gama, Alberto Pimentel e Júlio Dinis.

Nota: estes apontamentos, estando longe de estar completos, são simples recolhas de conteúdos disponíveis online, longe de uma pesquisa profunda que poderá ser feita.

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1- “As actividades desportivas no Porto de 1900” – José V. Ferreira, Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto, Porto, Portugal
2- O JOGO DO PAU EM PORTUGAL – Ernesto Veiga de Oliveira – “Festividades Ciclicas em Portugal” 1984
3- http://terrasbouro.blogspot.pt/2009/12/o-tradicional-vai-morrendo-aos-poucos.html
4- http://www.orfeao.up.pt/?menu=orfeao&orfeao=grp_desactivados&grupo=jogo_pauhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Orfe%C3%A3o_Universit%C3%A1rio_do_Porto
5- http://ginasioclubemafamude.webnode.pt/historia

Namoro Saloio.

“Alevante-me êsses olhos
Por baixo dessas pestanas,
Que eu quero conhecer bem
As luzes com que me enganas”

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Cantiga popular da região saloia:

“Sou saloio, honro-me disso
Pra casacas não sou mau
Os janotas atrevidos
Sei correr a varapau.

Ó saloia dá-me um beijo
Que estou morrendo à fome
O beijo de uma saloia
É o sustento de um Home.”

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A saloia, quando ama, é tímida e vergonhosa; pelo menor dito se faz vermelha; e o saloio, quando diz finezas, está sempre cabisbaizo, escrevendo no chão com o varapau; e cada vez que abre a boca é para deixar sair torrentes de poesia.
-“Revista popular: semanario de litteratura, sciencia, e industria, Volume 5”- 1852

Pau-de-marmelêro – «Cajado ou varapau que os rapazes casadoiros usavam antigamente quando iam namorar, como espécie de insígnia ou sinal distintivo» – Costa 1957 [Murteira]

Degredado por crime de varapau torna-se grande em Angola.

João Ferreira, um dos “donos” da terra, cuja fama corria por todas as estradas e picadas de toda a Angola, de “Cabinda ao Cunene”.

Na fotografia pode vêr-se o edifício da Firma “Ferreira & Martins”, que era uma das muitas empresas que o dito senhor detinha na Província. Também o local onde se encontra estacionada a viatura, com os homens da Força Aérea a darem dois dedos de conversa a um residente, era um hotel, o “Avenida”, pertencente ao mesmo empresário, como, de resto, a maioria do comércio e indústrias existentes no Negage. Mas também noutras localidades… e até em Luanda…

* Perguntará quem me lê: – “Qual o interesse do nome deste homem? Porque se fala tanto dele?”. E não deixarei de matar tal curiosidade, contando um pouco daquilo que ele mesmo me relatou, em conversa que tive o prazer de ter com ele, no âmbito de uma entrevista que me concedeu para o Rádio Clube do Uíge, de que fui correspondente durante alguns meses e realizei o programa semanal “Aqui Negage”, que estava no ar todos os Domingos, no período da manhã.

* Contava ele: – “ Vim para Angola a bordo do navio “Serpa Pinto”, por volta de 1954 ou 55. Fui um dos milhares de indivíduos condenados a degredo e enviados para África, mercê de uma sentença do Tribunal da Comarca de Vila Real de Trás-os-Montes, por ter morto um homem numa rixa acontecida nas Festas da Cidade. Fui com a minha noiva até ao Campo da Forca para comprar algumas peças de enxoval, pois estava a pensar casar por aqueles dias e fomos procurar o que faltava. Combinei com a minha prometida qual o local onde iria ser o nosso encontro, assim que estivessem concluídas as compras, decidindo-se que quem primeiro chegasse esperaria pelo outro. Calhou ser ela a primeira. Quando ia a chegar, reparei que ela estava de conversa bastante animada com um magala do Regimento lá da terra, e pareceu-me que havia alguma cumplicidade entre eles. Quando cheguei perguntei a minha cachopa se queria que eu voltasse mais tarde, e ele, o magala, disse logo que era o melhor, pois estava a meter-me na conversa e ele ainda tinha muito para falar com a Idalina e não gostava de ser interrompido.

* Acto contínuo… volteei o varapau que trazia comigo e dei-lhe com ele em cheio na cabeça, pelo que o militar caíu redondo no chão. Veio a Polícia e a minha prometida tratou logo de lhes dizer que eu tinha morto o rapaz por ciúmes e aquelas coisas todas que só as mulheres do calibre daquela poderia dizer, para me enterrar. Como o sacaninha morreu mesmo… fui julgado e condenado ao degredo por 20 anos. Foram cerca de 200 os condenados chegados comigo a Luanda, onde me leram os meus direitos como degredado: – Durante os próximos vinte anos não poderia ser visto em Luanda. Podia ir para osde bem entendesse, mas de Luanda para baixo não! Meteram-me e aos outros em camions, como se de gado se tratasse, e levaram-nos até uma povoação chamada Viana. Aí mandaram saír tudo da camioneta e partir para o Norte. “Para onde quizerem ir ”- disseram-nos.

* Dois dos companheiros de infortúnio eram os meus sócios, Manuel Agre e o António Martins. Durante o cativeiro em Lisboa, a aguardar embarque, e na viagem até Luanda, fomentámos uma boa amizade, que nos levou a fazer um pacto: – Nenhum de nós se separaria, fosse em que circunstâncias fosse, e iría-mos fazer tudo o que pudéssemos para tornar a nossa desdita numa coisa boa. Tudo o que pudesse dar dinheiro nos iria unir cada vez mais. Era este o nosso pacto!

* Para não nos perder-mos, arranjámos uns pedaços de madeira, de que fizemos estacas onde foram pintadas, pelo Manuel Agre, as minhas iniciais, as dele e do Martins. Espetámos cada um a sua e fomos arranjando outras, que fomos deixando pelo caminho. Estranhamente, os outros desterrados não se lembraram de fazer o mesmo, mas naquele momento nem eu sabia o que aquilo poderia dar. Fomos caminhando dias sem fim, apanhámos temporais, sol, mosquitos, vimos alguns animais que levaram a que tratássemos de encontrar alguma coisa que nos pudesse dar alguma segurança. Vi os primeiros elefantes e hienas da minha vida, ouvi o rugir de leões, de leopardos… senti algum temor, é certo, mas não mudei de direcção, como outros foram fazendo, acabando por ficar apenas um grupo de cerca de 20 de nós, com dois meses de aventura pelas selvas desconhecidas! Mais algum tempo e chegámos a um aldeamento, onde decidimos parar, pois bastava de caminhar! Do grupo saído de Viana… chegámos 9 ao Negage, onde fomos recebidos pelo velho Ginja, que havia sido o primeiro branco a chegar àquelas paragens!“.

– Victor Elias

É a tradição que assevera
Que corremos tudo a pau
Mas nenhum de nós é fera
E fafense algum é mau.

A “Justiça de Fafe” é, ainda hoje, um símbolo identificador desta Terra, do qual muitos fafenses se orgulham, por cá e pelo mundo. É uma tradição histórica incontornável que o concelho de Fafe quis perpetuar em forma de monumento erigido nas traseiras do Tribunal em 1981. Para “lavar” talvez, um pouco a imagem pejorativa que alguns poderão dar a esta tradição, foi concebido o verso seguinte.

e ainda outra lenda da Justiça de Fafe

D. Fafes Telesluz
No tempo do Conde D. Henrique, havia um cavaleiro chamado D. Fafes Telesluz, que era alferes-mor do Conde. Tinha D. Fafes uma bondosa esposa, muito amiga dos pobres e do povo em geral. A dada altura, o cavaleiro ter-se à apaixonado pela sua aia, uma mulher muito formosa que querendo o amado só para si, envenenou a sua ama, tendo esta falecido. O povo, que adorava a esposa de D. Fafes, apercebendo-se que a causa da sua morte residia no veneno que a aia lhe ministrara, dirigiram-se armados de varapaus para a porta do famoso cavaleiro, exigindo que lhes entregasse a aia, para que pudessem fazer justiça pelas próprias mãos. Não lhe restando outra alternativa, D. Fafes entregou a aia à multidão que a matou à paulada: Aí se terá feito “Justiça de Fafe”.

Outra lenda da Justiça de Fafe

Um jovem rapaz filho de gente humilde, no dia das festas da Senhora de Antime, enquanto assistia à passagem da procissão, viu a sua “trigueira”, bela e amada namorada ser apalpada no “traseiro” por um abastado fidalgo que visitava Fafe, tradicionalmente, pelas festas da Vila. O jovem namorado, embora ficasse muito ofendido, não quis “fazer peito” e pacientemente deixou passar a procissão. No final deste acto religioso, o rapaz dirigiu-se ao fidalgo fazendo-lhe sentir o seu desagrado pelo gesto obsceno feito à sua namorada momentos atrás. O burguês, tirando a sua cartola da cabeça, fá-la passar junto da cara do rapagão que sentindo-se uma vez mais provocado, quis lavar a sua honra, desafiando o ricaço para um duelo. O desafio foi aceite. No momento de escolher as armas, foi pelo próprio povo que assistia à discussão, pedido aos homens desavindos que mantivessem a tradição do jogo do pau. O ofendido aceitou esta escolha popular das armas. Pelos presentes foram então entregues aos rivais dois valentes “lódãos”.

A escaramuça começou. Ouviam-se, de vez em quando, os gemidos de dor dos homens quando sofriam as fortes pancadas, misturadas com o som do bater dos paus. Os populares que assistam a esta renhida luta, batiam palmas. Era o delírio, há muito que não se via uma rixa destas.

O pobre rapaz deu tamanha lição de pancadaria no burguês que, fugindo a “sete pés”, abandonou rapidamente a Praça, ouvindo ainda o grito de todos os populares:

“Viva a justiça de Fafe!” “Com Fafe ninguém fanfe”.

Esta lenda foi reproduzida na “Monografia da Freguesia e Cidade de Fafe”, Junta de Freguesia de Fafe 2008.

Ponte de Cavês

Na Ponte de Cavês (ou Cavez), sobre o Tâmega celebra-se a Romaria de S. Bartolomeu.

Na margem direita fica a Capela de S. Bartolomeu, na margem esquerda uma fonte.

Não uma fonte qualquer, mas sim uma fonte “milagrosa”. Pelos vistos, sempre que haviam ressentimentos, rivalidades, paixões, ódios e outros quejandos, era aqui que se fazia o ajuste de contas.

Depois de bem bebidos, soltava-se de um lado o grito de guerra «Vinde ao santo valentões» ou «Viva Trás-os-Montes». Do outro lado «Vinde à fonte cobardes» ou «Viva o Minho» e de forquilhas, paus, varapaus, facas e a tiro lá se matavam uns aos outros.

E isto só acabou em 1957, já tinham idade para terem juízo. 

-Marius70
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Camilo Castelo Branco várias vezes se refere ao local pois teria assistido a muitos encontros destemidos de varapau entre minhotos e transmontanos, sendo frequente a festa de S. Bartolomeu acabar com mortos. 


Capela de S. Bartolomeu – Cavez – Foto de Pedro Magalhães

Henriques refere no “Aquilégio Medicinal” (1726) que “defronte de uma ermida de S. Bartolomeu, está uma fonte de água sulfúrea como se deixa conhecer no cheiro de enxofre […] e há notícias de que naquele sítio houvera Caldas muy frequentadas de enfermos, para as quais se fizeram um hospital, com a dita ermida […] principalmente no dia de São Bartolomeu, com que ou por milagre dele, ou por virtude da água se curam dos ditos males”.

mais sobre a fonte: http://www.aguas.ics.ul.pt/braga_cavez.html

Violência Rural

Apenas dois exemplos. A 8 de Julho de 1888, quando regressavam da Romaria da Rainha Santa, em Coimbra, alguns trabalhadores de Sargento-Mor, localidade perto de Coimbra, foram surpreendidos, no sítio das Areias, por alguns homens de Trouxemil que aí os esperavam. Hostilidades antigas, “visto a povoação de Sargento-Mor estar desavinda com Trouxemil”, estiveram na origem do confronto que se seguiu e que assumiu a forma de um combate de paus. No domingo seguinte, novo conflito entre aldeias. No centro das hostilidades encontravam-se, desta vez, as povoações da Pedrulha e da Adémia. A passagem pelo território desta aldeia de alguns rapazes tocando guitarra e cantando canções que “diziam que só a ferro e fogo d’alli sahirião” despoletou tensões latentes que se corporizaram numa violenta batalha de paus entre os rapazes dos respectivos lugares em litígio”.

Ao transferir a xenofobia aldeã para o campo do jogo, a sociedade rural inscrevia a violência nas suas próprias estruturas, ritualizando-a, controlando-a e submetendo-a ao cumprimento de regras “que a não obrigava a sair dos limites do jogo”. Embora tratando-se de um jogo aparentemente sem regras, o jogo do pau estava organizado quanto às suas técnicas e objectivos. De igual forma assim acontecia com os combates de paus que obedeciam a esquemas comuns e a rituais precisos.

Apoiadas, senão activadas, pelas gerações mais velhas, estas competições entre jovens de aldeias rivais parecem obedecer a uma finalidade política, desempenhando um papel central na dinâmica inter-comunitária. Ao transferir-se para o campo do duelo a xenofobia aldeã, reforçava-se a solidariedade vicinal e a coesão no interior de cada comunidade. À custa, pois, do antagonismo, construía-se a unidade; à custa da desordem, a ordem. Estas violências endógenas longe de porem em causa a sociedade rural, permitiam, pelo contrário, revitalizá-la e assegurar a sua perenidade.

Porém, a ritualização, senão mesmo a organização, destes conflitos não se ficava por aqui. Se, como pensa Elliot J. Gorn, “a forma como os homens lutam, quem participa, quais as regras que são seguidas […] revela muito acerca da cultura e da sociedade”, a análise das zonas corporais atingidas, quer neste tipo específico de luta quer, de uma forma geral, em todos os casos de agressão masculina, evidencia determinadas coordenadas comuns que reenviam a um código de honra masculino.

A cabeça, esse centro vital do eu como lhe chama Robert Muchembled, era o alvo predilecto das agressões, recaindo em cerca de 70% de todas as ofensas corporais. Obviamente, poder-se-ia dizer. A posição vertical adoptada neste tipo de luta expunha-a com facilidade à agressão. Todavia, a violência nunca é cega e não se pode considerar mero acaso que, ao nível da cabeça, as agressões incidissem maioritariamente nos hemisférios posteriores, frontal e parietal. Em contrapartida, a zona anterior, occipital, raramente era atingida. A honra exigia um combate frontal, de homens que se olhavam e mediam nos olhos o que naturalmente se reflectia no plano das agressões corporais. Era a honra que impedia que se atacasse alguém traiçoeiramente, pelas costas; era, ainda, a honra que proibia atacar alguém que não empunhasse um pau.

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Violência rural, em Portugal, na segunda metade do século XIX – Irene Vaquinhas.